quinta-feira, 20 de abril de 2017

Conversas d'Ouvido com Philippe Meyohas

Estivemos à conversa com o compositor brasileiro Philippe Meyohas, a sua música percorre os caminhos do clássico, do erudito, do flamenco e da liturgia judaica, transportando-os para a contemporaneidade. Este ano editou o seu segundo EP A Arte do Retorno, que se sucede ao EP de estreia Alvíssaras (2015), momento ideal para o convidarmos para uma descontraída entrevista em mais uma edição das"Conversas d'Ouvido"...

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Philippe Meyohas: Quando tinha uns 6 anos gostava de cantar os temas dos filmes da Disney e daí meu pai me deu um daqueles “violões para estudante” da Giannini, uma miniaturização do violão clássico para crianças. Simples e relativamente vergonhoso, porém a verdade.
Editaste recentemente o EP “A Arte do Retorno”, para quem ainda não ouviu o que podemos esperar?
Pois então, desde a época que editei meu último EP, o “Alvíssaras”, já estava bastante deslumbrado e cativado pelo contraponto e pela chamada harmonia tradicional, pela condução de melodias não hierarquizadas a implicar discursos musicais, ao invés de, grosso modo, temas centrais harmonizados por blocos de notas concatenados funcionalmente. Para ser franco, quando ainda estava arranjando esse EP, já me era certo que meu próximo trabalho exploraria essa linguagem. O que se somou ao meu gosto pelos compositores minimalistas da segunda metáde do século XX, bem como aos diversos minimalismos nas artes visuais sobretudo. O resultado foi essa suíte – “suíte” num sentido contemporâneo, vale notar – onde, pelo menos em premissa, eu procuro dizer o máximo com o mínimo. Ao invés de entregar uma informação com clareza, eu a implícito. E baseio toda a obra, no fim das contas, em torno de uma célula rítmica absolutamente rudimentar, que se repete, torna e retorna. 
Faz sentido afirmarmos que a tua música estabelece uma ponte entre a música clássica e a contemporânea?
Sim, creio que faça sentido sim. Há quem diga que isso seja um defeito, que o faça para esconder incompetência tanto para ser vanguardista quanto para fazer algo aos moldes do que na música erudita é chamado de “prática comum”. O que é parcialmente verdade, eu só vim a  estudar música de maneira mais séria há uns 5 ou 6 anos. Mas, ainda assim, acho que, queira ou não, existe uma originalidade onde me encontrei. E inclusive acho bastante bobagem esse cânone de que o tonalismo morreu em Debussy. Fora que não faço muita questão de me incluir nessa linhagem da música erudita ocidental, procuro tanto dialogar com essa tradição como, por exemplo, com os modalismos árabes e persas.
Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Pode parecer algo extremamente pedante e óbvio de se dizer, mas, como eu realmente não me proponho a fazer nada objetivamente quanto estou de frente com a tal ” tela branca” – pauta em branco no caso –, é bastante difícil definir sucintamente.  Eu costumo usar a tag “modern classical”, que são basicamente os projetos autorais dos trilheiros de audiovisual, em geral uns pianos ou cordas numa espécie de arranjo romântico minimalista, cheios de reverbs e com uma mixagem brilhosa e comprimida, algo absolutamente cafona. Mas que, assim como eu, não são nem “modern” nem “classical”. 
Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Eu costumo pesquisar sobre artes visuais e fotografia desde muito tempo. Mas não pinto nem fotografo. Talvez seja só uma impressão superficial, mas inclusive acho que meus olhos são melhores que meus ouvidos. Mas porque meus ouvidos são ruinzinhos para um músico com a minha pretensão. 
Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Sinceramente, acho que você só deve ser músico caso verdadeiramente não tenha outra opção. Essa é a vantagem e a desvantagem.
Quais as tuas maiores influências musicais?
Se eu pudesse, pularia essa pergunta. Mas talvez dê para traduzir “influências” pelos meus maiores afetos musicais, apesar de não tão claramente imprimidos no meu trabalho. E meus verdadeiros maiores afetos musicais são, creio eu, as reverberações do romantismo na música ibérica e latino-americana (milonga, flamenco, etc), a polifonia barroca e o canção folclórica portuguesa, brasileira e judaica.
Como preferes ouvir música? CD, Vinil, K-7, Streaming, leitor mp3?
De headfone no escuro. Eu ainda estou bastante preso ao mp3, tenho zilhões de gigas no HD e sempre que descubro algo vou procurar no soulseek. Mas realmente não tenho nenhum problema com os demais formatos. Tenho uma coleçãozinha de LPs que na verdade raramente os ouço e, claro, reconheço que a qualidade dos streamings principalmente é um grandíssimo alento.
O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
Questiona-se muito os streamings mais por no fundo acabar anulando a possessão do ouvinte sobre a música, sobre o conhecimento, do que por razões musicais propriamente. Um HD cheio equivale a uma grande biblioteca, a um salão de troféus. Apesar do afeto que um ouvinte gera com arquivos digitais ou com um disco de vinil numa capa de papelão, creio que seja algo que passe muito mais por vaidade que pela música propriamente.
Qual o disco da tua vida?
Confesso que não sou muito apegado ao formato “disco” ou “álbum” e sou bastante avesso a hierarquizações. Mas dois discos muito marcantes que voltei a ouvir recentemente são o “Cantos de Venezuela” da Soledad Bravo e o “Argentina: The Guitar of Pampas” de interpretações do Roberto Lara.
Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Polyphonic Voices of Georgia” do coro da Basíliaca de Anchiskhati.
O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Os frevos de Antônio Maria. Não existe nada tão devastadoramente melancólico e contagiante que frevo.
Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Acho que me tornei compositor justamente para nunca mais me apresentar.
Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Não tenho autoestima o suficiente para fazer esse tipo de coisa.
Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Em qualquer catedral gótica.
Qual o melhor concerto a que já assististe?
Eu acho que nunca paguei para um concerto que tenha gostado. Acho que prefiro os músicos de rua do Centro e do metrô do Rio.
Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
O coro de Anchiskhati.
Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Devia ser incrível Chopin ou Beethoven se interpretando. No mínimo interessante.
Qual o teu guilty pleasure musical?
Já se tornou um grande clichê dizer isso, mas a música “popularesca” do Brasil é o que há de mais interessante, propositivo e original produzido por aqui. E com isso me refiro sobretudo ao funk paulista, mas também ao eletrobrega e ao arrocha. Coisas que de uma maneira geral seriam consideradas guilty pleasures. Nesse caso, meu verdadeiro guilty pleasure talvez seja Deep Purple então.
Projectos para o futuro?
Algumas coisas. Há um clipe sendo planejado para a “Arte do Retorno”, realizado pelo mesmo diretor da curta-metragem que cedi trechos da suíte para a trilha sonora, o Cauê Dias Baptista. Quanto à composição propriamente, já estou começando a escrever uma próxima suíte e recentemente me envolvi num projeto com o Ensemble de Percussão do Conservatório Brasileiro de Música, comporei uma peça pra eles. Se tudo der certo, tentarei lançar essa peça como single talvez ainda esse ano. O clipe deve sair no meio do ano ou segundo semestre eu imagino.
Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Você se considera uma fraude? Talvez.
Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
O óbvio porém sublime, a "Marcha Fúnebre" de Chopin. Mas talvez o segundo movimento da Glória de Vivaldi, “Et In Terra Pax Hominibus”.
Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro, cumprimentos Ouvido Alternativo.

Ficamos agora ao som do EP A Arte do Retorno, que se encontra disponível para escuta e download legal, através da plataforma Bandcamp.

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