quinta-feira, 10 de maio de 2018

Conversas d'Ouvido com Henrique Borges

Entrevista com o músico Henrique Borges, que quebra as habituais barreiras e fronteiras de um instrumento musical que transporta consigo a saudade do fado. A guitarra portuguesa, assume-se como uma extensão do seu corpo, dedilhada com mestria e transportada para universos inovadores. Lançou recentemente o disco, "Incursão", muito mais que um álbum é um projecto, cimentado nas viagens que o músico fez pelo mundo e que surge acompanhado por um livro e vídeos que retratam essas vivências interculturais. "Incursão" será apresentado ao vivo no próximo dia 19 de Maio, entretanto hoje é vez de viajarmos nós, até ao mundo de Henrique Borges em mais uma edição das "Conversas d'Ouvido"...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Henrique Borges: Desde criança que gosto de música mas a verdadeira paixão surgiu na adolescência. Nessa altura ouvia bandas alternativas, músicos e estilos inovadores para a época, algo underground. Essa possibilidade de se fazer música diferente, de sair do circuito, fascinava-me. Lembro-me de passar horas no meu quarto, a ouvir música e a rebobinar cassetes, a gravar e regravar, a fazer as minhas colectâneas. 

Porque é que o som de uma guitarra portuguesa é tão característico e fascinante?
A guitarra portuguesa é um instrumento carregado de simbolismo. O trinar das cordas é inconfundível e para nós, enquanto portugueses, a ligação com esta sonoridade é quase umbilical, pois está profundamente enraizada na nossa memória colectiva. A guitarra portuguesa é parte da nossa identidade. É o som de Portugal.

Habitualmente a guitarra portuguesa surge associada ao fado, mas contigo essas barreiras são quebradas. Isso surgiu natural ou intencionalmente?
O facto de tocar guitarra portuguesa de uma forma inovadora é tudo menos intencional. Desde criança que gosto de explorar, fazer as coisas à minha maneira. E tal comportamento é tão natural em mim que com a guitarra portuguesa não poderia ser de outra forma. Não obstante o profundo respeito que tenho pela guitarra portuguesa e pelos guitarristas que a enaltecem tocando da forma tradicional, porque não atrever-nos a levá-la por outros caminhos, experimentar, inovar, modernizar? Não foi deliberado, mas com este projeto, de facto, acabei por quebrar algumas barreiras quanto à forma de tocar o instrumento mas também quanto ao estilo musical no qual o mesmo é tocado.
Henrique Borges - "Incursão"
Editaste recentemente o disco “Incursão”, no fundo o álbum é uma viagem por onde?
Neste álbum estão muitas emoções, sentimentos e reflexões. É uma viagem interior, uma incursão extremamente pessoal mas com a qual as pessoas se vão poder relacionar. É um álbum que visita a melancolia, a saudade, a aventura, o desafio e a conquista sempre numa perspectiva disruptiva. 

Namíbia, Bélgica, Alemanha, França, Itália, etc, sentes que essas viagens se transportaram para o teu disco?
Comecei por gravar o álbum e só depois parti à procura dos lugares que o iriam complementar, procurando materializar a minha visão enquanto compositor. Nas muitas viagens que fiz pelo mundo à procura desses lugares, encontrei alguns com uma associação tão intensa, quase simbiótica, com a minha música que agora é-me impossível ouvir o álbum “Incursão” sem ter em mente essas imagens, dessas viagens e desses lugares. Daí ter editado o álbum em conjunto com um livro de fotografias e vídeos desses lugares espalhados pelo mundo. 

Queres apresentar-nos os músicos que te acompanham nesta “viagem”?
Sim, claro. Os músicos que viajam comigo nesta “Incursão” são: no violoncelo a Vânia Moreira, no baixo o Luís Teixeira, nas vozes a Maria João Sousa e a Beatriz Janes, no acordeão o Pedro Santos e na guitarra clássica o Graciano Caldeira.

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Tenho alguma dificuldade em encontrar uma definição para o meu estilo musical. Componho criativamente sem me prender a géneros musicais, pelo que não tenho um estilo claro e definido. É o estilo musical Henrique Borges! (risos)

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Sou um esteta. Adoro vários tipos de expressão artística, quer seja através da fotografia, pintura, dança ou vídeo. 

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
A grande vantagem é podermos criar, exprimir os nossos sentimentos, a nossa visão e vê-los materializados num trabalho artístico sem fronteiras, numa linguagem universal. 
A grande desvantagem é a falta de oportunidades, a precariedade que leva a que muitos (bons) músicos, por razões de subsistência acabem por desistir desta vocação, o que resulta numa perda para a cultura e consequente empobrecimento da diversidade cultural. 

Quais as tuas maiores influências musicais?
Sou bastante eclético nos meus gostos musicais e há muitos músicos que admiro. É-me difícil referir apenas um ou outro. Quanto ao género que mais me influencia este é, sem dúvida, a música clássica. 

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Na minha escola, Lugar da Música, tenho um estúdio de gravação com excelentes condições em termos acústicos mas curiosamente o local onde mais oiço e gosto de ouvir música é no carro. E aí o formato (CD ou mp3) acaba por ser indiferente, desde que esteja bem gravado.

Qual o disco da tua vida?
Não querendo ser presunçoso, o disco da minha vida é o meu último trabalho, o álbum “Incursão”. Nele entreguei-me completamente. Dei o melhor de mim e o resultado deixa-me orgulhoso. É um álbum que não me canso de ouvir e que reflete alguns dos melhores momentos da minha vida.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Ao longo da minha vida fui descobrindo tantos álbuns que me deixaram maravilhado. Claro que o que ouvia aos 13, 15 ou 18 anos em nada se relaciona com o que oiço hoje em dia e sinto que seria injusto nomear apenas um disco. Acresce que nos últimos três anos e meio não tenho tido muitas oportunidades para descobrir novos projetos pois todo o meu tempo livre foi dedicado ao meu projeto, com gravações de CD, o livro de fotografias e vídeos.

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Neste momento oiço as músicas do meu último álbum, "Incursão". Estamos a preparar-nos para alguns concertos e nesta fase só tenho tempo para ouvir as gravações dos ensaios.
Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
A situação mais embaraçosa aconteceu num concerto que demos em Cabo Verde. Estávamos em palco num concerto ao ar livre e quando, de repente, começou a chuviscar, a violinista e a violetista quiseram abandonar o palco pois tinham medo que os instrumentos se estragassem. Consegue imaginar a situação? Esta ficou para a memória! (risos)

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Ao vivo e na gravação do álbum toquei e gravei com os músicos com os quais queria tocar e gravar. Foram criteriosamente escolhidos e convidados por mim e estou muito satisfeito com estas escolhas. Por isso, não escolheria outros músicos para além daqueles que me acompanham. 

Para quem gostarias de abrir um concerto?
Estaria disposto a abrir um concerto para qualquer músico ou banda que admirasse, quer seja conhecido ou desconhecido. Para mim o fundamental é a qualidade da música.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Confesso que não tenho grandes ambições em relação aos palcos onde poderia tocar. Para mim o mais importante é ter na sala pessoas que estejam realmente interessadas na minha música e que permaneçam fiéis álbum após álbum, o que é difícil hoje em dia pois o público é muito volátil. 

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Esta é uma pergunta difícil. Já assisti a tantos concertos que me marcaram. Na minha adolescência, o concerto dos Metallica em Alvalade foi inesquecível. Agora acho que os concertos da orquestra Gulbenkian são (quase) sempre marcantes. A música clássica sempre me fascinou pela sua complexidade e beleza.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Gostaria de ter visto ao vivo os Queen com o Freddie Mercury. E infelizmente já não o poderei fazer. 

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Novamente, os Queen. Gostaria de ter assistido ao concerto que deram no estádio de Wembley em 1986.

Tens algum guilty pleasure musical?
Quer se acredite ou não, não tenho nenhum guilty pleasure musical. Sempre fui extremamente seletivo em relação à música e não tenho nenhuma vergonha ou embaraço nas minhas escolhas musicais... pelo menos até agora! (risos)

Projectos para o futuro?
Neste momento e no futuro próximo a minha atenção está dedicada à divulgação do projeto “Incursão” (CD + livro urbex + videos) que levou mais de três anos a ser concretizado e que merece ser o foco. Depois logo se verá!

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Gostaria que me perguntassem se voltaria a dedicar-me ao projeto “Incursão” se soubesse de antemão as infindáveis horas de trabalho que o mesmo consumiu e a resposta é sim. Este é um trabalho que me concretizou e que, não obstante o trabalho hercúleo que deu, proporcionou-me experiências de vida inolvidáveis e que me tornaram melhor: músico, artista e pessoa. 

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Quando oiço boa música, por norma não desejo ter sido eu a compô-la. Basta-me ouvi-la, apreciá-la. Mas há uma obra que está, na minha opinião num patamar elevadíssimo e que não me importava nada que tivesse sido composta por mim: o "Requiem" do Mozart. É absolutamente magnífico. 

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Mais do que uma música, um sentimento. Gostava que após a minha morte as pessoas que me são próximas se reunissem e recordassem os bons momentos que passámos juntos. 

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Henrique Borges, apresentará o seu mais recente disco ao vivo nas seguintes datas:
  • 19 de Maio - Auditório Camões - Lisboa - Bilhetes €12,5 à venda aqui
  • 15 de Junho - Centro Histórico de Braga
  • 30 de Junho - Capelas Imperfeitas (Mosteiro da Batalha)
Ficamos agora ao som do mais recente single "Amanhecer", extraído do álbum "Incursão".

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