sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Conversas d'Ouvido com KREWE

Entrevista com KREWE, projecto a solo do músico Diogo Augusto, "doutorado em punk", actualmente a residir na Escócia em Edimburgo. KREWE, nasceu este ano, mas desenganem-se, porque experiência não lhe falta. Já foi vocalista e guitarrista de bandas como The Jack Shits, Sonic Reverends, Los Saguaros e o projecto Blues Hell Hound. No mês passado editou o álbum "Voodoo King", um quadro experimental, pintado em tons de punk, relevos bounce e uma estética lo-fi. Nas linhas que seguem viajamos pelo mundo de KREWE, em mais um lançamento das "Conversas d'Ouvido"...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
KREWE: Como em toda a gente: uma recusa patológica em crescer e ser um adulto. Perguntem a qualquer pessoa que prive com músicos. É tudo gente com síndrome de Peter Pan.

Como surgiu o nome KREWE?
Krewe é o nome que se dá aos grupos que organizam desfiles no Mardi Gras em New Orleans. Este projecto está cheio de influências de lá. Do New Orleans Bounce, das brass bands, do funk, de coisas mais ou menos obscuras como o swamp-rock do Quintron…. É a minha homenagem ao melhor sítio do mundo.

Podemos encarar KREWE, como um alter-ego?
Nem por isso. Por esta altura, é mais o meu verdadeiro ego. Quando fiz isto não estava a pensar pôr nada cá para fora, nem estava a pensar em como as pessoas que normalmente compram discos dos Jack Shits iam receber estas canções. Estava mesmo só a fazer aquilo que me apetecia e a juntar estilos que habitualmente gostam muito pouco de falar uns com os outros.

Como é que foste parar à Escócia?
Como tanta gente. Depois de perceber que andava há demasiados anos em Portugal a arranhar e olhar para o saldo da conta ao dia 10 e ver que já devia ser dia 31, lá fiz as malas. Primeiro fui para o Belize (de onde também trouxe na cabeça influências para este projecto) e depois acabei por vir para a Escócia onde me encontro neste momento a congelar.

Editaste recentemente o álbum “Voodoo King”, para quem ainda não ouviu o que podemos esperar?
Este álbum foi gravado por mim utilizando um tipo de tecnologia com a qual nunca tinha tido contacto. Tinha uma ideia bem clara na cabeça de como queria que tudo soasse e depois andava eternidades de volta do controlador de Midi e do software que, entretanto, arranjei para conseguir reproduzir essas ideias. Uma vez mandei uma das canções ao Nick Suave a perguntar-lhe o que ele achava e ele ficou entusiasmado. Foi quanto bastou. O resultado, pelo menos o pretendido, é uma mistura de elementos hip hop e garage rock com uma estética mais ou menos DIY punk. Não sei… É um som fodido.

Salvo erro, já estiveste envolvido em projectos com influências tão díspares como punk, electrónica, alt-country, garage, surf rock, soul, será que no futuro podemos esperar um disco de música popular (risos), ou os teus gostos não são assim tão ecléticos?
O que eu sei é que se algum dia achar que consigo fazer um disco de música popular bom, faço esse disco. Nunca achei que pudesse fazer um disco com tantas influências do hip hop, mas um certo dia lá mudei de ideias, por isso, nunca se sabe…

Quais as tuas maiores influências musicais?
Depende dos dias. A maior parte do tempo são coisas como o Bruce Springsteen (que está presente em todas as coisas que faço), o Dr. John, o Dylan, os The Band, o Tom Waits, por aí… Mas depois há tanta coisa tão boa em tantos estilos, soul, blues, rock and rol, hip hop, country, folk, a pop do Phil Spector… E depois para além de isso tudo ainda há as influências não musicais do cinema à literatura. Passava aqui o dia inteiro nisto.

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Mais uma vez, depende do dia. À segunda posso estar em modo Townes Van Zandt, à terça em modo Suicide, à quarta em modo Fats Domino, à quinta em modo Cheeky Blakk, à sexta em modo 16 Horsepower, ao sábado em modo Sam and Dave e ao Domingo em modo Velvet Underground. E depois na semana a seguir, muda tudo outra vez. As coisas que vou fazendo também vão mudando conforme os dias e as semanas.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Várias. Tudo aquilo que não me dá dinheiro. Agora ando a escrever um livro de crónicas do tempo em que vivi no Belize (que anda a ser publicado online aqui: https://nobelize.wordpress.com/), escrevo outras coisas de ficção e como espectador, sigo particularmente de perto o que se vai fazendo em Cinema e Televisão. Mas ainda não me meti a perder dinheiro com isso.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Depende. Para quem gosta de música (o que nem sempre é o caso) tem a grande vantagem de permitir que não se viva uma vida contrariado. Desvantagens só estou a ver a permanente penúria da maior parte dos músicos e as constantes sovas de porradas que o nosso ego leva.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Não tenho qualquer tipo de snobismo do vinil ou do que for. Sou da opinião que o Spotify é o melhor amigo do homem. Pelo menos deste homem.

Qual o disco da tua vida?
Alterna entre o "Born to Run" e o "Darkness on the Edge of Town" do Bruce Springsteen. Consoante esteja mais ou menos animado.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
"The Tree of Forgiveness" do John Prine.

Qual a tua mais recente descoberta musical?
Não sou muito dado a descobertas musicais. Muitas vezes acontece descobrir coisas que até são boas mas com as quais não estabeleço qualquer tipo de relação emocional e acabo por me esquecer do que descobri. A última verdadeira boa descoberta foi a que deu origem a este meu álbum, o New Orleans Bounce através de gente como a Big Freedia, a Katey Red, a Cheeky Blakk, o Sissy Nobby…

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Não sei se foi particularmente embaraçosa mas há pouco tempo no Sabotage, tive de terminar um concerto de Jack Shits para ir a correr para a casa de banho vomitar-me todo. Foi bonito.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Neste momento dava um dedo mindinho de um dos pés para gravar um disco com a Big Freedia.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Num palco que tivesse gente a assistir. 

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Bruce Springsteen no Palau Sant Jordi em Barcelona em 2002. Logo a seguir, Dr. John no Tipitina’s em New Orleans em 2015.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
O Tom Waits. Já perdi a esperança.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
No "The Last Waltz" dos The Band. Há-de ter sido a melhor coisa de sempre.

Tens algum guilty pleasure musical?
Não me sinto guilty em relação a nenhum pleasure. Foi Nick Suave quem me ensinou esta lição.

Projectos para o futuro?
Continuar a perder dinheiro com a música.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
Gostava que me perguntassem o que acho da cena musical portuguesa. Depois eu começaria a dissertar sobre a incrível injustiça de ver as melhores coisas serem ignoradas, de ver bandas a preocuparem-se mais com a receptividade das coisas que fazem do que com a criatividade ou com uma visão artística, de ver gente artisticamente irrepreensível a levar na tromba uma e outra e outra vez.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Neste momento, "Casey’s Last Ride" do Kris Kristofferson. 

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
"I’ll Fly Away" por uma brass band de New Orleans. 

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Terminamos ao som do álbum "Voodoo King", disponível para escuta e download através da plataforma Bandcamp.

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