quarta-feira, 6 de março de 2019

Conversas d'Ouvido com Zé Vito

Entrevista com Zé Vito, guitarrista, cantor e compositor brasileiro proveniente de São Paulo. No ano passado editou o seu quarto álbum a solo "Além Mar", actualmente a viver em Portugal, este disco foi gravado numa espécie de ponte aérea entre Lisboa e o Rio de Janeiro. Além do seu trabalho a solo é ainda o fundador do projecto Abayomy Afrobeat Orquestra, "a primeira banda de afrobeat que o Brasil viu". Ao longo da sua carreia já tocou com nomes como Tony Allen, Céu e Jards Macalé, no entanto é sozinho que se apresenta nesta edição das "Conversas d'Ouvido"...

Como surgiu a paixão pela música?
Desde cedo ouvi muita música por conta do meu pai. Na minha casa sempre rocavam discos de jazz, samba e moda de viola, que é um estilo clássico de música brasileira.

Nasceste em São Paulo, viveste no Rio de Janeiro e agora Lisboa, em que medida estas cidades têm influenciado a tua sonoridade?
Na verdade eu nasci em Ribeirão Preto, uma cidade a 300 km de São Paulo. Naquela altura era uma cidade com 400.000 habitantes, mas que ainda mantinha um certo aspecto rural... ouvia-se muita música caipira, moda de viola. Essa coisa da terra, da roça, eu certamente trouxe de lá. Fui muito para São Paulo durante minha infância, coisa que também me influenciou. Aquilo é muito grande, muita informação e eu gosto disso.
No Rio foi onde eu mais desenvolvi meu estilo e conhecimentos musicais. É uma cidade completamente musical. Aprendi o samba, vivi isso de perto, indo a rodas de samba, bossa nova, mas também conheci a fundo outras coisas como o jazz, o funk, o afrobeat. O Rio em 2005 era uma cidade muito viva, expoente de cultura e eu tive a sorte de estar bem ali naquele momento vivendo tudo aquilo.
Zé Vito - "Além Mar"
Editaste recentemente o disco “Além Mar”, para quem ainda não o ouviu o que podemos esperar?
É um disco bem direto, com estruturas simples e fáceis de entender. Um disco bem funk, onde eu foquei antes de tudo no groove das músicas e não tanto na guitarra.
Tem boas canções, com letras profundas. Tem de tudo, afrobeat, reggae, rock, funk.

Como é que o projecto AbayomAfrobeat Orquestra, entrou na tua vida?
A Abayomy surgiu em 2009 quando eu e um grupo de amigos resolvemos montar uma banda para celebrar o Fela Day, aniversário de Fela Kuti. O Fela Day acontece em várias cidades do mundo sempre no dia 15/10. Montamos a banda, fizemos o concerto e foi um sucesso absoluto. Naquela época não tinha nenhuma banda de afrobeat no Brasil e a coisa andou muito rápido. Em pouco tempo a banda já estava tocando em várias cidades e gravando disco. Foi uma experiência indescritível fazer parte da Abayomy durante todos esses anos. Uma banda de 13 integrantes tem sempre uma energia muito forte e essa convivência com o afrobeat me trouxe uma noção rítmica muito boa. Foi importante para mim como músico e produtor porque em uma banda grande dessas cada um tem que saber exatamente o seu lugar, para que a engrenagem musical funcione. Não pode sobrar nada nem faltar nada.
Conheces alguma coisa da música portuguesa? Habitualmente quando colocamos esta questão, a músicos brasileiros as respostas demonstram algum desconhecimento, mas tu não tens desculpa (risos).
Conheço!! Sou super fã de Zeca Afonso, tenho todos os discos dele. Gosto de Antonio Variações, Sérgio Godinho. Gosto muito do rap português, sou fã do Carlão, Boss AC, Karlon Krioulo, Slow J...no meu disco tem uma parceria com o Alexandre Francisco Diaphra, que pra mim é um dos melhores. Gosto muito do fado, gosto do Ricardo Ribeiro, António Zambujo...também no meu disco tem uma parceria com o Marco Oliveira, um fadista da nova geração sensacional.
Gosto das bandas de rock tipo Cassete Pirata, Capitão Fausto, Madrepaz. Sou muito fã da Sara Tavares e da Selma Uamusse... eu acho que a música portuguesa está em grande fase.

Quais as tuas maiores influências musicais?
São muitas, não consigo dizer em poucas palavras. Miles Davis, Jimi Hendrix, Tom Jobim, João Bosco, Djavan, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Fela Kuti, Muddy Waters, Led Zeppelin, Grant Green, James Brown, Zeca Afonso, João Gilberto... Bob Marley, Gregory Isaacs...tem muita coisa

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Eu sou um tanto eclético. Não consigo me colocar em nenhuma caixa portanto não me arrisco a me descrever em um estilo.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Eu gosto muito de cozinhar, surfar e viajar!

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
A maior vantagem é sentir a sensação de que não está trabalhando mesmo quando está. A música é uma profissão dificílima, então tem que ser um tanto maluco para seguir esse caminho, mas quando se tem retorno é maravilhoso. Viajar também é uma das maiores vantagens. Através da música eu conheci mais de 10 países… o lado ruim é a inconstância financeira, passamos por muitas marés altas e baixas, é preciso saber lidar bem com isso.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Hoje em dia eu estou 100% no streaming. Deixei meu toca discos no Brasil e pra recomeçar a comprar vinis não está fácil.

Qual o disco da tua vida?
Tenho vários discos da vida: Miles Davis - "Kind of Blue", Jimi Hendrix - "Axis: Bold As Love", Luiz Melodia - "Maravilhas Contemporâneas", Bob Marley - "Catch a Fire", Gilberto Gil - "Refazenda", Zeca Afonso - "Coro dos Tribunais", Funkadelic - "Maggot Brain"... tem muitos outros que fazem parte da minha vida.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
"Ok Ok Ok" do Gilberto Gil

Qual a tua mais recente descoberta musical?
Ryan Scott ℰ The Kind Buds, um guitarrista de Brooklyn, muito bom.
Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Tiveram algumas, mas a mais emblemática e até hoje não explicada foi um concerto da Abayomy no Rio, no Teatro Rival. Era um Fela Day, casa lotada, umas 1000 pessoas dançando sem parar. Os músicos se revezavam no palco cantando as músicas e era minha vez. Eu estava cantando a música "Zombie", do Fela Kuti. Chamei as pessoas da plateia para subirem no palco e vieram umas 30... cantei "Zombie" e mais uma música com esse monte de gente no palco. Logo que terminei, o pessoal desceu e eu e outros músicos notamos um “elemento” não identificado entre os cabos e instrumentos. Não dava pra entender o que era então esperei acabar o concerto para ver. Quando fomos ver, ficamos em choque: era um cocô !! alguém tinha defecado no palco. Foi a coisa mais surreal que já me aconteceu. Até hoje não sabemos quem fez aquilo e essa história é contada no Rio como uma das coisas mais surreais que já aconteceram.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Gostaria muito de compor com o Caetano Veloso ou com o Sérgio Godinho.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Coliseu dos Recreios em Lisboa, Royal Albert Hall em Londres e Carnegie Hall em NY.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Olha, difícil dizer...mas um dos mais inesquecíveis foi um concerto dos Beastie Boys no Rio, não me lembro o ano. Recentemente vi o David Byrne e fiquei impressionado.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Gostava de ver o John Mayer...perdi o concerto dele no Rio…

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Gostava de ter visto o Jimi Hendrix e o Bob Marley...quem sabe em uma outra vida em os encontro.

Tens algum guilty pleasure musical?
Nada, gosto de tudo, sem medo.

Projectos para o futuro?
Sim! Acabei de lançar o primeiro single da minha banda lisboeta de afrobeat, os Carapaus Afrobeat. O disco vai ser lançado em breve e está muito bom. Também tenho um projeto de reggae no forno... não posso dar muitos detalhes por agora, mas vai ser interessante.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
“Você acha que falta incentivo para a descoberta de novos talentos por parte dos meios de comunicação e dos próprios artistas?”
Resposta: Sim, acho. Acho que os meios de comunicação tem que parar de correr somente atrás de números e views e se esforçarem sem influência de ninguém para dar espaço para quem está produzindo coisa boa. E isso serve para os artistas também. A maioria dos artistas já passaram por um caminho muito árduo até ficarem conhecidos e quando lá chegam, não ajudam ninguém, não usam seu poder de influenciador para ajudar quem precisa. Isso precisa mudar.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
"Drão", do Gilberto Gil

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Podia rolar um show inteiro dos Skatalites, pra animar esse momento.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Guardamos o melhor para o fim, ficamos assim ao som do álbum "Além Mar", que se encontra disponível para escuta através das plataformas de streaming.

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