segunda-feira, 6 de maio de 2019

Conversas d'Ouvido com Meyot

Fotógrafo: Cassiano Geraldo
Entrevista com a banda brasileira Meyot, quarteto proveniente de São Paulo, composto por Arthur Montenegro (voz, guitarra), Gabriel Soares (bateria), Giuliam Uchima (baixo, guitarra, voz) e Lucas Berredo (guitarra, sintetizador, voz). Assumem-se como um "colectivo de compositores travestido de banda rock". Com uma sonoridade mesclada entre os tons do indie, jazz, krautrock e MPB. Nasceram, despretenciosamente, em 2017 e é assim, descontraídos que se confessam perante o Ouvido Alternativo, nas linhas que se seguem...

Como surgiu a paixão pela música?
Arthur Montenegro (AM): Acho que na infância mesmo, porque minha família sempre foi ligada à música. Lembro do meu pai ouvindo discos do Pink Floyd, Genesis, Chico Buarque, Fagner. Minha mãe gostava muito de Bowie e Michael Jackson e minha irmã me mostrou o Nirvana, Radiohead e Blur. Enfim, não tive como escapar.
Gabriel Soares (GS): Meu avô me ensinou a tocar violão quando tinha cinco anos. Aprendi a tocar uns hinos de igreja, porém foi com meus pais e meus tios de parte materna que tive contato com música pop, MPB e rock. Minhas tias tinham muitos discos do Raça Negra e Djavan e um dos meus tios é um audiófilo fã de carteirinha de Raul Seixas e Bee Gees. Ouvi o primeiro do Black Sabbath da coleção de discos dele.
Giuliam Uchima (GU): Minha paixão por música surgiu no começo de minha adolescência. Eu e meu irmão sempre fomos nos shows de artistas internacionais que vinham para o Brasil e nessa mesma época do início da adolescência, comecei a ter aulas de violão e formei uma banda com meus amigos da escola. A música sempre esteve muito conectada com minha vida. Quando vejo as pessoas que convivo hoje, percebo que a maioria delas eu conheci por causa da música, inclusive minha namorada, que conheci no Rock In Rio.
Lucas Berredo (LB): Provavelmente na infância. Mas para ser sincero, não lembro de um momento específico na vida em que tenha acontecido uma espécie de “despertar” para a arte. Sempre esteve lá, por causa da minha família. Já gostava bastante de música inclusive antes de aprender um instrumento.

Como surgiu o nome Meyot?
AM: Meyot é uma estilização aleatória da expressão “meiote”, que no norte do Brasil representa algo que é mais ou menos, descartável. A gente estava num período meio autoirônico quando a banda começou.

Quais as vossas maiores influências musicais?
AM: Milton Nascimento, Radiohead, Kate Bush, Kendrick Lamar, Björk, Bowie. Não sei, são muitas. Não que sejam influências diretas na forma de compor ou nas minhas contribuições com a banda, mas esses artistas habitam um mundo próprio. Isso me influencia muito na forma de pensar a carreira e construir o nosso território. Só não sei se vai ser possível chegar lá.
GS: Sou influenciado por artistas que ainda ouço atualmente, como Mulatu Astatke, Lady Gaga, Slayer, Death, Black Flag, Radiohead, Itamar Assumpção.
GU: Meu instrumento principal na verdade é a guitarra. Na Meyot, estou desenvolvendo um lado musical diferente ao assumir o baixo, então vou falar de minhas influências nesse instrumento. Gosto muito de linhas de baixo mais melódicas, a influência clássica é o Paul McCartney. Outra influência, de uma banda moderna, é o Chester Hansen, do BADBADNOTGOOD.
LB: Gosto de músicos que transitam entre várias tradições: Edu Lobo, Milton Nascimento, Frank Zappa, Jonny Greenwood, Arrigo Barnabé. Minha trajetória talvez denuncie: comecei tocando punk, passei por banda de heavy metal, estudei guitarra jazz durante anos, frequentei conservatório – com uma ideia adolescente de compor para orquestra – e me fixei (acho que) na canção. Nesse contexto, fui de Black Flag e MC5 a Stravinsky e Messiaen. Considero essa indecisão uma espécie de defeito saudável.

Conhecem alguma coisa da música portuguesa?
AM: Confesso que não muito. Conheço Capitão Fausto, Pega Monstro, B Fachada e recentemente vi o clipe de um rapper chamado Valete.
GS: Conheço a cantora Mariza, ela tem um alcance e técnicas geniais.
GU: Recentemente conheci o trabalho do Capitão Fausto, por conta do show deles com os brasileiros d’O Terno.
LB: Tenho algumas referências do fado, mas reconheço que são meio distantes. Conheço mais sobre a história de Portugal: o passado celta, o período romano, a Era das Navegações, etc.
Fotógrafo: Cassiano Geraldo
Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
AM: Astronomia. Por muito pouco não prestei física no vestibular. Talvez tenha sido melhor assim.
GS: Gosto bastante de dormir, provavelmente está no ranking número 1 das minhas paixões, seguido de comer e depois música.
GU: Uma outra paixão minha é o design gráfico, mas mesmo assim não é algo separado da música. Faço muitos trabalhos referentes à música, inclusive a identidade visual da Little Room, outra banda que vocês entrevistaram – foi um dos trabalhos que tive a honra de fazer.
LB: Literatura, talvez. Porque foi por essa chave que retive alguns interesses desde a infância: história, religião, filosofia, política. Gosto de automobilismo também.

Como preferem ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
AM: Hoje infelizmente me rendo ao streaming e ele representa quase que 100% do meu consumo de música. Também tenho um carinho especial pelo CD, por ter sido a mídia vigente na época em que comecei a me tornar um ouvinte assíduo. Descobri algumas de minhas primeiras paixões musicais alugando CDs em uma locadora.
GS: Eu gosto de ouvir música em reprodutores sonoros de qualidade, independentemente do formato da mídia.
GU: O meu consumo mais recorrente é o streaming, mas depois que um amigo audiófilo me mostrou a diferença que se dá na qualidade de um streaming e um arquivo não comprimido, comecei a me sentir lesado ao ouvir nesse meio. Então, sempre que possível, procuro baixar alguns álbuns que eu gosto em uma qualidade maior, ou até mesmo compro o vinil deles.
LB: Para mim, o ideal da audição ainda é o vinil. Mais como concepção de produto artístico, nem tanto pela questão técnica. Tenho certo apreço pela indexação entre lado A e lado B, capas em gatefold, foi como aprendi a ouvir música. Ao mesmo tempo, por motivos de correria diária, faço pouco uso dessa mídia hoje; me rendi à praticidade do streaming.

Qual o disco da vossa vida?
AM: Acho que o "Ok Computer", do Radiohead. Não é o meu preferido, mas com certeza é o mais significativo. Foi ele que me abriu portas para outros trabalhos mais desafiadores.
GS: Provalmente, "Os Afro-Sambas", do Vinicius de Moraes e do Baden Powell. É um disco que sempre me reconecta com a realidade.
GU: "Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band", sem sombra de dúvidas.
LB: Quando criança, a capa de "Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band" me prendia a atenção. Como demorei alguns anos para escutá-lo, o conteúdo ali era uma espécie de enigma a ser decifrado. Estas impressões de infância habitam meu inconsciente até hoje.

Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
AM: "You Won’t Get What You Want", do Daughters. Horrivelmente belo.
Também gostei muito do "When I Get Home", da Solange. Posso ficar com esses dois?
GS: Foi "Bluesman", do Baco Exu do Blues. Pra mim, ele é o artista da nossa geração que melhor imprime suas mensagens e conceitos em formato de álbum.
GU: Tem vários discos que gostaria de mencionar aqui, mas um que tive uma imersão bem grande e ouvia religiosamente todos os dias foi o "Manual", do Boogarins.
LB: "Bluesman", disco de um rapper brasileiro chamado Baco Exu do Blues. 

Qual a vossa mais recente descoberta musical?
AM: A mais recente foi uma banda americana chamada Kayo Dot. Tem um pouco de metal progressivo, de jazz, música de vanguarda. Gosto de salada, mas ainda não sei opinar sobre o gosto dessa.
GS: Foi uma descoberta de um artista brasileiro das antigas, o Pedro Santos. Ouvi recentemente "Krishnanda", um álbum dele de 1968 e é genial, muito à frente de seu tempo.
GU: Uma banda que estou ouvindo bastante é a Walfredo em Busca da Simbiose, do talentoso Lou Alves.
LB: Neil Ardley, um pianista de jazz britânico com nome de meio-campista do Leeds United. Fez um disco maravilhoso nos anos 70, meio orquestral, meio jazz. O nome é "A Symphony of Amaranths".

Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
AM: Teve uma vez que todos os equipamentos desligaram ao mesmo tempo, no meio de uma música. A sorte é que era uma música nova, então as pessoas devem ter pensado que aquilo fazia parte da dinâmica. As vantagens de ser uma banda não muito conhecida.
GS: Essa situação ocorreu com uma banda de thrash metal que eu tocava. No final da última música do set, eu resolvi colocar a máscara de headbanger gringo e subi na bateria com pé direito no banco e o esquerdo na caixa. Porém, no momento que coloquei o pé esquerdo na caixa, a pele de cima se rompeu, afundando meu pé com toda a força que a gravidade pode exercer sobre o meu corpo. Não me machuquei muito, mas a caixa ficou em frangalhos, coisas de headbanger tropical. (risos)
GU: Teve um concerto que não sei se posso considerar um concerto. Eu tocava em uma banda-tributo e havíamos negociado um show com um produtor em uma casa reconhecida aqui em São Paulo, chegamos lá e haviam duas pessoas nos assistindo, uma delas a namorada do baixista, foi praticamente um ensaio em cima do palco.
LB: Nada muito específico. Já aconteceu de um ou outro pedal falhar, mas, sei lá, acho que isso faz parte do jogo.
Com que músico/banda gostariam de efectuar um dueto/parceria?
AM: Milton Nascimento, sem pensar duas vezes.
GS: Milton Nascimento também, sem dúvidas.
GU: Tem uma banda de instrumental aqui do Brasil, a Mahmed, que eu gostaria muito de trabalhar junto, eu admiro muito essa banda, principalmente a guitarra dela.
LB: Milton Nascimento ou Guinga.

Qual o melhor concerto a que já assistiram?
AM: O show do Radiohead na Chácara do Jockey, em São Paulo. 2009.
GS: The Mars Volta em São Paulo, no ano de 2010.
GU: O do Roger Waters, na turnê do The Wall em 2012, aqui em São Paulo.
LB: Radiohead na Chácara do Jockey, em São Paulo, 2009.

Que artista ou banda gostavam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
AM: Björk. Perdi o último show que ela fez no Brasil e esse é um dos meus maiores arrependimentos desde então.
GS: Gostaria de ter visto Ronnie James Dio quando ele veio com o Black Sabbath, tocando o "Heaven and Hell" na íntegra.
GU: Vulfpeck.
LB: King Crimson. Espero vê-los aqui no Brasil, no fim desse ano.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) em que gostariam de terem estado presentes?
AM: Eu gostaria de ter presenciado o show do Bowie no Hammersmith Odeon, em 1973. Turnê de despedida do Ziggy Stardust. Show histórico que virou até filme.
GS: No show do The Band em 1976, no Winterland Ballroom.
GU: Sem sombra de dúvidas eu gostaria de ser uns dos sortudos que viram os Beatles no concerto do telhado da Apple, me arrepio só de pensar nisso.
LB: Gostaria de ter assistido à "Sagração da Primavera" em Paris, em 1913.

Têm algum guilty pleasure musical?
AM: Morei quase a vida inteira em Belém do Pará, no norte do Brasil, e por lá predominou uma cena de house music no fim dos anos 90/início dos anos 2000. Meu coração amolece quando ouço qualquer clássico do gênero. Double You mexe comigo.
GS: Sou um dos maiores fãs do maior cantor gospel de todos os tempos, Robson Nunes – mais conhecido como Robson Anjinho.
GU: O pior é que não tenho, acabo gostando de coisas que não fogem muito de um lugar comum.
LB: Muitos. Vou citar o mais degradante: “Rap do Ovo”, por Sérgio Mallandro ℰ Faustão. Há algo de poesia concreta degenerada ali que me fascina.

Projectos para o futuro?
AM: Ah, estamos em período de composição do disco de estreia e devemos entrar em estúdio no segundo semestre. Eu só tenho isso em mente, por ora.
GS: Estamos em processo de composição e pré-produção do nosso disco de estreia.
GU: Além da Meyot também gerencio um selo de música independente aqui em São Paulo, a Eu Te Amo Records. Meu projeto futuro é que o selo seja referência na produção de artistas.

Que pergunta gostariam que vos fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
AM: Não sei dizer. A banda ainda é neófita e esse lance de entrevista é uma coisa muito recente pra gente. Não é como se muitas perguntas tivessem sido feitas.
GS: Idem ao Arthur (risos).
GU: Meyot quer tocar em Portugal? Sim.
LB: A opinião do Arthur expressa a minha também.

Que música de outro artista, gostariam que tivesse sido composta por vocês?
AM: “Errare Humanum Est”, do Jorge Ben Jor. Não tem nada a ver com o som da banda, mas eu amo essa música.
GS: “Medley da Gaiola”, Kevin o Chris ℰ Dennis.
GU: “A Day In The Life”, dos Beatles, que inclusive é minha música favorita, não tem uma vez que não arrepie com os vocais do John Lennon.
LB: “Os Povos”, por Milton Nascimento e Márcio Borges. Gosto de tudo nessa música: do walking bass que conduz a progressão harmônica até a letra.

Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
AM: "Goodbye", das Spice Girls. Vim dos anos 90 e para os anos 90 voltarei.
GS: "Na Zare", Alliance.
GU: "Breathe", do Pink Floyd.
LB: "Quarteto para o Fim dos Tempos", do Messiaen.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Despedimo-nos ao som do single "Grades", acompanhado pelo vídeo oficial.

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