O músico e produtor Paulo Emanuel, aventurou-se recentemente no seu projecto Xá. Tendo já vivido em Inglaterra, Japão, Escócia, Dinamarca, Islândia, Brasil, Tailândia, actualmente "fixou-se" na Noruega. Foi precisamente em Oslo que gravou durante três noites num quarto, os temas que reuniu nas "colectâneas" Volume I e II, inspiradas pelo lo-fi. As músicas contaram com a masterização de Todd Tobias que colaborou com o Guided by Voices. Fomos conhecê-lo melhor em mais uma edição das "Conversas d'Ouvido"...
Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Xá: Não sei bem. Os meus pais sempre tocaram muita música em casa, principalmente vinda dos PALOP e do Brasil. A minha irmã gostava muito de ver MTV e VH1 e foi através dela que descobri muitas bandas que vim a adorar. Talvez tenha sido ao comprar o Californication dos Red Hot Chili Peppers com os meus 11 anos que me apercebi da importância que a música tinha na minha vida.
Tendo já vivido em diversos países, como é que um português, decidiu partir à “conquista do mundo”?
Não saí do país com a intenção de conquistar o que quer que fosse. No meu ano final do secundário deparei-me com a possibilidade de estudar no Reino Unido e segui em frente. Já era muito influenciado pela cultura anglo-saxónica e a ideia de estudar na Universidade de Coimbra ou Minho não me atraía muito. Apesar de visitar familiares e amigos de vez em quando em férias, nunca mais regressei de forma definitiva. Gosto muito de viver noutros países mas sei que voltarei eventualmente.
Sentes que essas experiências/vivências influenciam um certo experimentalismo da tua sonoridade?
Não acho que as canções que tenho vindo a escrever sejam particularmente experimentais. É normal que através de pessoas que conheça de outras culturas venha a ouvir música que não ouviria caso estivesse em Portugal mas não sei até que ponto é que isso afetou de forma direta a sonoridade das minhas canções mais recentes.
Comparando Portugal com os inúmeros países em que já viveste, que diferenças sentiste a nível musical?
É um pouco injusto fazer comparações uma vez que saí de Portugal com os meus 17 anos e nunca vivi durante muito tempo em Lisboa ou Porto. A maior parte do meu tempo foi passado em cidades e vilas pequenas onde era muito difícil encontrar pessoas com interesses similares ou eventos culturais que me cativassem. Só muito recentemente é que descobri artistas como o Éme e toda uma cena independente Portuguesa que não sabia existir e que aprecio muito.
Como surgiu o nome xá?
Depois de ter escrito uma primeira canção e de ter gostado dela ao ponto de querer escrever mais e partilhar pela net, dei a mim mesmo um prazo de um dia para escolher o nome artístico. Gosto da sonoridade. Gosto de chá e o Google diz-me que os Xás da Pérsia tinham grande pinta.
Editaste recentemente os álbuns Volume I e Volume II, para quem ainda não ouviu o que podemos esperar?
Canções sinceras de guitarra e voz com melodias e letras pouco vulgares. Foi tudo gravado de forma espontânea no meu quarto, sem vergonhas nem medos durante um fim de semana. Fujam audiófilos à procura de alta-fidelidade.
Como gostas de descrever o teu estilo musical?
As canções das duas compilações de canções que referiste são pop rock lofi. Esta foi uma tentativa de provar a mim mesmo que consigo escrever canções dentro deste formato mas espero que da próxima vez que falarmos não volte a usar pop, nem rock e lofi para catalogizar a minha música.
Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Cinema e literatura. O último grande filme que vi foi o "Come and See", um filme soviético da década oitenta sobre a 2.ª Guerra Mundial – absolutamente incrível. Em relação a livros, estou atualmente a lutar com o quarto capítulo do 2666 do Roberto Bolaño. Um livrasso.
Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Eu não acho que leve uma vida de músico nem que alguma vez o tenha feito a tempo inteiro. Também não acho que exista uma única forma de se ser músico. A maior vantagem com certeza será fazer aquilo que mais gostas com maior regularidade.
Quais as tuas maiores influências musicais?
Smashing Pumpkins, My Bloody Valentine, Miles Davis, Ahmad Jamal, The Kinks, Wire, Mission for Burma, Number Girl, A Tribe Called Quest, Buzzcocks, The Beatles, Fausto, Charles Mingus, Four Tet, Animal Collective, Weezer, Amon Tobin, Manic Street Preachers, etc.
Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Streaming, por ser bem mais conveniente tendo em conta o meu dia-a-dia. Tenho medo do dia em que começar a colecionar vinis.
O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
Nem uma coisa nem outra mas é mais do que bem vindo.
Qual o disco da tua vida?
Não tenho e espero nunca vir a ter.
Qual o último disco que te deixou maravilhado?
As minhas duas últimas obsessões têm sido o "Juju" do Wayne Shorter e o primeiro álbum dos Radioactivity. O novo álbum do Primeira Dama também me pareceu muito bom à primeira audição, tenho de voltar a ouvi-lo com atenção.
O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Tenho ouvido muito projetos do Rob Pollard dos Guided By Voices. O homem é a definição de prolífico. Os Boston Spaceships e os Circus Devils são particularmente bons. O Todd Tobias, instrumentalista da banda, masterizou as minhas últimas faixas.
Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Em tempos de escola secundária, na minha primeira banda, começamos a tocar um cover dos The Police de forma horrível num palco gélido à beira rio. Todos tentamos disfarçar a falta de sincronização entre os elementos até que o baterista perde-se, pára de tocar e grita “assim não dá!”. Constrangedor.
Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Literalmente qualquer um que tenha uma verdadeira paixão pela música e não se sinta enojado pelas minhas canções (risos). Se tiverem estúdio ainda melhor. Enviem-me um email!
Para quem gostarias de abrir um concerto?
Dependeria muito do tipo de música que estivesse a tocar no momento. Há muitos artistas que gostaria de partilhar o palco mas seria ridículo imaginar fazê-lo tendo em conta as minhas canções atuais.
Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Qualquer palco que tenha na audiência uma única pessoa que conheça as minhas canções à priori, é de sonho.
Qual o melhor concerto a que já assististe?
Talvez o Dean Blunt em Aarhus, Dinamarca, em 2014 e os Dungen em Oslo no início deste ano. Os White Stripes no Alive quando eu era miúdo também foram uma coisa de outro mundo.
Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Nick Cave & the Bad Seeds seria incrível.
Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Não sou muito de ouvir álbuns ao vivo portanto tenho alguma dificuldade em responder a esta questão. Possivelmente um concerto do Charles Mingus ou Miles Davis na década sessenta.
Qual o teu guilty pleasure musical?
Não sinto qualquer tipo de vergonha em apreciar música, seja ela qual for. Tenho a noção no entanto que por vezes ouço música low brow que muitas pessoas desaprovariam ou receariam admitir ouvir. Há dias atrás numa festa de anos passou Justin Bieber e Britney Spears e até curti! Que tenha ouvido por iniciativa própria no último mês vem-me à mente o Carl Carlton, Cheap Trick e Roy Orbison, que adoro.
Projectos para o futuro?
Comecei há dias a trabalhar numas canções com bateria, baixo e mais linhas de sintetizador do que talheres aqui em casa. Acabarão bastante diferentes das canções que partilhei no Bandcamp. Talvez demasiado diferentes no sentido de não existir grande coesão estética entre elas mas gosto da ideia de utilizar o ‘xá’ para partilhar tudo o que produzo, por muito diferente que as músicas sejam umas das outras. Tipo Omar Rodríguez-López do pobre.
Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Sou autocentrado mas nem tanto. Nunca pensei em tal coisa.
Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Preferia que não houvesse cerimónia alguma. Se por algum motivo fosse obrigado a escolher uma, a "Tears for Dolphy" do Ted Curson seria ponderada com certeza.
Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Ficamos agora ao som de Xá e do seu Volume I. Ambos os seus discos, encontram-se disponíveis para escuta e download gratuito, através da plataforma Bandcamp.
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