Entrevista com CÆS, duo brasileiro proveniente de Santos e composto por Bruno Borboloto e Guilherme Meduza. Juntos navegam nas águas do rock instrumental com ondas de experimentalismo. No final do ano passado editaram o disco "Santos 3AM", uma espécie de "banda-sonora da cidade". Os CÆS, atravessam agora o Oceano Atlântico, para se apresentarem a Portugal, nesta edição das "Conversas d'Ouvido"...
Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Guilherme Meduza (G): Minha família é formada por dois tipos de pessoas: músicos ou fascinados por música. Então a música estava no meio das reuniões sociais, nos fins de semana, no quotidiano de casa. E os instrumentos musicais sempre à mão. Meu pai tocava violão, meu irmão guitarrista estudioso, respirava música quando adolescente. E minha mãe sempre com a vitrola ou o rádio ligado.
Bruno Bort (B): Em casa sempre teve à disposição um disco, sempre convivi em casas muito musicais.
Como surgiu o nome CÆS?
A ideia é que toda cidade portuária é uma antena para o mundo; é um local de trânsito de mercadorias e experiências. Na realidade o nome Caes é uma declaração de intenções: quisermos trazer para as músicas a possibilidade de utilizar qualquer influência que coubesse dentro do conceito do disco, e a imagem de um cais que possibilita novas experiências e encontros serviu como um norte para o álbum.
CÆS - "Santos 3AM" |
Editaram recentemente “Santos 3AM”, para quem ainda não ouviu o que podemos esperar?
Nós captamos sons da cidade que moramos e crescemos, Santos, que é o principal porto do Brasil. A partir desses sons tentamos musicá-los, fazer uma espécie de trilha sonora da cidade. Cada música tem um som ou tema específico: o trem, os camiões, os carros arranhando os paralelepípedos (calçamento de pedra antigo característico do centro), etc. Junto com isso, como dissemos, pensamos que Santos como porto reflete muito de outras culturas, então também tentamos jogar com isso na nossa música, seja usando um bandoneon de 1927 comprado em Buenos Aires, Argentina, ou usando uma escala característica da música do nordeste brasileiro para representar a presença dessa migração em um determinado local que gravamos. Acho que as pessoas podem esperar essa mistura!
Enquanto projecto instrumental, em algum momento sentiram falta da voz?
B: particularmente não! Sempre vi a voz como algo complementar, como mais um instrumento que pode estar presente ou não. Então sempre foi muito natural pra mim pensar “instrumental”.
G: É minha primeira experiência com a música instrumental e o que mais me surpreendeu é a diversidade de interpretações que ela proporciona, sem alguém te guiando com palavras. Então não senti falta em nenhum momento.
Como gostam de descrever o vosso estilo musical?
B: Olha, quando compusemos esse disco pensamos em algumas referências sonoras, mas quando vimos ele pronto foi um desafio encaixar em “tags”! O disco tem bastante de experimental, mas a mistura também pode ser considerada world music. Pra falar a verdade, tem muitos sites que, com as resenhas, têm ajudado a decifrar isso! (risos)
G: O que mais me agrada é instrumental com paisagem sonora.
Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
B: Eu sou formado em História e o Guilherme em Ciências Sociais; nos conhecemos trabalhando no Museu do Café em 2011. Não só é uma grande paixão essa área histórica, antropológica, do patrimônio e tal, como também tem muito disso em "Santos 3AM"!
Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
A vantagem é com certeza poder ter um trabalho como esse, sendo prestigiado tão longe, como por vocês em Portugal! A desvantagem? Talvez a dificuldade em ganhar dinheiro com isso (risos).
Quais as vossas maiores influências musicais?
B: Sou clichê: blues, jazz e rock anos 70, principalmente Jimi Hendrix e Miles Davis.
G: A música popular brasileira dos anos 1960 e 1970.
Como preferem ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
B: Ultimamente varia em LP e streaming, apesar de detestar playlists; mesmo online, tem que ser disco completo! (risos)
Qual o disco da vossa vida?
B: Rapaz, que difícil! Eu vou arriscar Miles Davis - "A Tribute to Jack Johnson".
G: "Minas", do Milton Nascimento
Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
B: Tem muitos discos bons saindo nos últimos tempos, mas talvez o que mais me fez pirar e, se fosse/tivesse físico teria literalmente furado, é o Macaco Bong - "Artista Igual Pedreiro".
G: O último disco que transformou minha forma de pensar e fazer música foi o "In Rainbows", Radiohead.
O que andam a ouvir de momento/Qual a vossa mais recente descoberta musical?
B: Como disse tem muita coisa boa saindo, uma boa cena instrumental se formando aqui no Brasil. Ano passado saíram discos ótimos, como o dos guris da The Experience Nebula Room “Ouroborous”, que é um stoner psicodélico de primeira; ou The Tape Disaster “Oh!Myelin” que é um math rock incrível!
G: Eu tenho ouvido dois discos do Roberto Carlos, de 1975 e 1978, tentando entender como ele consegue tocar tanta gente no Brasil - e tenho descoberto maravilhas. E a mais recente descoberta é a Sibylle Baier, uma cantora alemã que gravou um disco folk nos anos 1970 que foi só lançado em 2006 - o "Colour Green".
Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
B: Chamar uma banda de fora e tomar calote por parte da casa; horrível.
G: Primeiro show em um grande teatro e o amplificador queimou no meio de uma música. O resto do show foi em linha, sem ouvir uma nota do que estava tocando.
Com que músico/banda gostariam de efectuar um dueto/parceria?
B: Tem tanta gente legal próxima que gostaria, não sei se conseguiria dizer um ou dois! Uma que tá perto de rolar é com os guris da The Experience Nebula Room.
Para quem gostariam de abrir um concerto?
Pensando grande? Lenine!
Em que palco (nacional ou internacional) gostariam um dia de actuar?
Não sei se existe um só, nosso grande sonho é tocar por vários lugares aqui da América Latina, principalmente!
Qual o melhor concerto a que já assistiram?
B: Vou dizer o último que ainda tá fresco: Airto Moreira no Sesc 24 de Maio em São Paulo. Que percussionista, que banda!
G: Page e Plant em São Paulo, 1996.
Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
B: Duas bandas que ainda tenho uma leve esperança são The Raconteurs e The Mars Volta, (risos)
Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) em que gostariam de ter estado presentes?
B: Isle of Whight, sem dúvidas. Se tivesse uma passagem ida-volta pro passado, ia pra esse sem pestanejar.
G: Queria ter visto a Elis Regina em Montreux (com uma jam session com o Hermeto Pascoal), o Quinteto do Astor Piazzolla e o Grupo de Experimentación Sonora del ICAIC.
Têm algum guilty pleasure musical?
B: Guilty pleasure é aquela coisa que curtimos mesmo sem admitir? (risos) Acho que não tenho disso não! Não tenho problema em falar que ouço Backstreet Boys e Justin Timberlake (risos)
G: Sim, uns pops bem bobos (risos).
Projectos para o futuro?
Futuro próximo é colocar o show pra rodar por aí; futuro médio é mais um EPzinho que já está em gestação!
Que pergunta gostariam que vos fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Achamos que não, inclusive gostaríamos de agradecer pois foram perguntas que permitiram que a gente refletisse sobre certos aspectos que nem sempre paramos pra pensar!
Que música de outro artista, gostariam que tivesse sido composta por vocês?
B: "Bananas For You All" - Macaco Bong, até hoje busco aqueles intervalos e não encontro na minha guitarra!
G: "Parabéns pra você" (risos). Assim teria dinheiro de royalties garantido para o resto da vida e poderia fazer as minhas músicas (risos).
Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
B: Nem um talvez - Miles Davis (com o dedo do Airto Moreira!)
G: "4’33", do John Cage, no repeat, (risos).
Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Novamente, nós que agradecemos o convite e a sensibilidade das perguntas. Adoramos!
Antes de terminarmos, apresentamos precisamente o mais recente EP "Santos 3AM", que se encontra disponível para escuta e download, através da plataforma Bandcamp.
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