sábado, 2 de junho de 2018

Conversas d'Ouvido com Alabê KetuJazz

Entrevista com o colectivo Alabê KetuJazz, projecto único no panorama brasileiro, que mescla a percussão do candomblé, com as raízes africanas e a liberdade e improvisação do jazz. Quinteto liderado pelo saxofonista e compositor francês Antoine Olivier e pelo saxofonista e compositor brasileiro Glaucus Linx. "Depois de 6 anos de pesquisa e desenvolvimento de uma linguagem musical própria", os Alabama KetuJazz, lançaram uma campanha de crowdfunding, para financiar a edição do seu debut. Para nos apresentar esta campanha e falar sobre as suas paixões e influências musicais, Antoine Olivier é o nosso convidado de hoje, para as "Conversas d'Ouvido"...



Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Antoine Olivier: Quando eu tinha 11 anos, a professora de música da escola sentou para tocar piano… Por uma razão misteriosa, nesse dia eu imediatamente quis aprender a fazer essa coisa mágica. Voltei para casa e falei com meus pais que eu queria estudar piano. Me lembro muito bem desse momento 44 anos depois.

Como surgiu o nome Alabê KetuJazz?
Alabê é a palavra que designa a pessoa que tem a carga de tocar os tambores na religião afro-brasileira que se chama Candomblé. Ketu é o nome da nação de candomblé à qual pertenço e a síntese brasileira dos cultos, principalmente do povo Yoruba (grupo étnico da Nigéria). Jazz porque temos uma forte influência do jazz, pela sua fluidez e liberdade de improvisação.

Queres apresentar-nos os músicos que integram este projecto?
O quinteto é liderado por Antoine Olivier percussionista e compositor francês radicado no Brasil e pelo saxofonista e compositor brasileiro Glaucus Linx, que já trabalhou com Carlinhos Brown, Elza Soares, Isaac Hayes, Salif Keita e muitos outros. Na gravação do primeiro disco, somos acompanhados por Dofono de Omulú, Thiago Magalhães e Gabriel Guenther. O álbum conta com participações especiais de Carlos Malta e Henrique Bunde; além de nomes do candomblé, como a Ekedy Nicinha, a Mãe Nildinha de Ogum, Raoul de Ogum (Ogã Alabê do axé Opo Afonjah), Ogã Eli (casa de Oxumaré), Alabê Lazinho, Ogã Licinho, Alabê Joilson São Pedro e muitos outros.

Actualmente encontra-se a decorrer uma campanha de crowdfunding, para financiar o vosso disco, a questão monetária, tem sido o principal entrave que têm sentido, enquanto projecto independente?
Nunca foi tão fácil para os artistas criar um projecto independente, a tecnologia abriu muitas portas que eram antigamente fechadas, mas o artista tem que fazer tudo: tocar, gravar, mixar, criar a arte, distribuir, produzir shows, filmar vídeos, editar, fazer o marketing, cuidar da fabricação, etc... É um trabalho enorme que também precisa de alguns recursos financeiros...

O vosso estilo musical é uma mescla de diversas influências, como gostas de descrever o vosso estilo musical?
Nós criamos uma expressão artística original a partir da música sagrada do Candomblé. Nossa inspiração é principalmente espiritual, não somos um grupo que faz a fusão do folclórico com outros estilos. Nossas músicas nascem organicamente dos tambores com todas as influências musicais e artísticas que temos, mas sem tentar usar qualquer estilo particular. 

Conheces algumas coisa da música portuguesa?
Devo confessar que meu conhecimento é muito limitado ao fado e um pouco da guitarra portuguesa.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão? 
Muitas! A religião do Candomblé, o cinema Japonês, o mar, a matemática… O mundo é fascinante!

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Para mim, a música é uma missão espiritual. Se fosse só no plano real, a vida de músico seria difícil demais… Mas de vez em quando, tenho a impressão fugaz de cumprir essa missão, e isso é a recompensa.

Quais as tuas maiores influências musicais? 
Sempre fui extremamente curioso e eclético com todas as músicas que escutava e que me influenciaram. Tudo, com a excepção de qualquer coisa pop. A capacidade da humanidade para criar músicas sublimes em todos os lugares e todos os tempos nunca deixa de me surpreender.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Ao vivo!

Qual o disco da tua vida?
São alguns: 
King Sunny Adé - "Juju Music"
The Gladiators - "Trenchtown Mix Up"
Miles Davis - "In a Silent Way"
Jimmy Giuffre - "3"
Roni Size - "New Forms"

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Danyèl Waro - "Batarsité". Cantor da ilha da Reunião. Um furacão musical e espiritual!

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Metá Metá. Grupo de rock com influência do candomblé baseado em São Paulo. O melhor grupo de rock do mundo ao vivo.
Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
Na Virada Cultural de Campinas em 2016, a gente estava tocando numa estação de trem antiga transformada em espaço cultural. O palco era do lado do trilho. No meio do show, escutamos um barulho enorme… era a buzina de um trem que passou do lado do palco mesmo, a gente não teve ideia que iria acontecer. Após a primeira surpresa, o sax começou a dialogar com o motorista e a buzina.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
A Filarmônica de Berlim. Estou sério, eu acho que nosso som se casaria maravilhosamente bem com uma orquestra sinfônica. A gente teve um projecto com a filarmônica do Rio, mas a crise econômica terrível que vivemos parou tudo.

Para quem gostariam de abrir um concerto?
Metá Metá

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
O festival de músicas sacras, em Fèz, Marrocos.

Qual o melhor concerto a que já assistiram?
Graças a Deus, eu assisti a centenas de shows maravilhosos nos 5 continentes, não dá para começar a pensar em escolher. Mas para falar apenas um, vou citar o Orchestra Baobab.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
São muitos, a maioria já faleceu: Jimmy Giuffre com Steve Swallow e Paul Bley. Johnny Guitar Watson, Ernest Ranglin, Danyel Waro, Ravi Shankar, John Coltrane, Uum Kalthoum, Fela Kuti, Carlos "Patato" Valdes...

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
A estreia da "Sagração da Primavera", de Igor Stravinsky, em Paris, que criou um escândalo gigante.

Tens algum guilty pleasure musical?
Algumas músicas pop que minhas crianças estão escutando… vergonhoso mesmo! Nem sei o nome delas. (risos)

Projectos para o futuro?
Mostrar a riqueza da cultura do candomblé pelo mundo e tentar diminuir os preconceitos que sofremos no Brasil.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Posso ajudar? Sim!

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Erik Satie - "Gnossienne nº 3"

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
No candomblé, tem uma cerimônia especial pelos mortos, que se chama axéxé. Se toca e canta músicas durante 6 noites a cada 7 anos. Mas nunca vou merecer essa honra.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Os interessados podem aceder à campanha de crowdfunding aqui.
Antes de terminarmos ficamos com a música dos Alabê KetuJazz, num vídeo onde podem ainda conhecer melhor o projecto.

Sem comentários:

Enviar um comentário