Entrevista com a banda brasileira Contando Bicicletas. Percorrem os caminhos do indie rock, com nuances progressivas e psicadélicas e um toque de melancolia. Quarteto composto por Luiz Felipe Fonseca (voz, guitarra), Felipe Ribas (bateria, piano), Mateus da Silva (guitarra, saxofone) e Vitor Carneiro (baixo). As maiores influências direccionam-se para o rock progressivo e para nomes como Yes, King Crimson, Os Mutantes e Gentle Giant. Recentemente lançaram o debut "Se Quer Aventuras", que serviu de mote para a conversa que se segue...
Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Vitor Carneiro (VC): Acho que sempre existiu. Quando era criança eu contava histórias tocando no piano da minha mãe. Saía tocando qualquer coisa sem sentido e separava notas graves pros vilões e notas médias e agudas pros mocinhos/as.
Luiz Felipe (LF): É isso! Acho que começa bem cedo mesmo. Eu tinha um piano de brinquedo no meu quarto quando criança e escrevia músicas pro meu cachorro.
Mateus Da Silva (MS): Sempre rolava música na minha casa. Meu pai me deu uma educação musical muito completa e eclética desde pequeno. Mas foi no ensino médio (colegial), quando entrei na banda sinfônica do colégio, que realmente começou a paixão por fazer música.
Como surgiu o nome Contado Bicicletas?
VC: A sociedade não está pronta para saber ainda.
LF: Essa as pessoas têm que ir a um show nosso para ficar sabendo! É muito mais divertido ouvir a história nos shows. Mas como, pelo futuro próximo, vamos ficar devendo shows em Portugal, já adianto que a história envolve um circo e certos animais quadrúpedes. (risos)
O single “Gavetas”, aborda um tema delicado, sem querermos ser intrusivos, é autobiográfico?
LF: Em parte, certamente. Minha opinião é de que absolutamente toda arte é autobiográfica de alguma maneira. Na verdade, tudo começou por causa de uma experiência de outra pessoa, na qual prefiro não entrar em detalhes, mas que me deixou refletindo por dias. Quando sentei para começar a escrever a letra, era isso que estava na minha cabeça. Eu sempre fui muito ligado em explorar meus próprios sentimentos, então não demorou para que eu levasse minha própria vivência para a letra. Inclusive, às vezes penso que estou vivendo essa música, ou uma versão dela, num loop infinito. Talvez seja isso a vida: altos e baixos constantemente alternando entre si e a gente tentando navegá-los, lutando contra nossos monstros enquanto nos desconstruímos e reconstruímos de novo e de novo e de novo...
Contando Bicicletas - "Se Quer Aventuras" |
Editaram recentemente o disco de estreia “Se Quer Aventuras”, para quem ainda não ouviu o que podemos esperar?
VC: Um grande atrito entre pessoas e notas que não são mais nem vilões nem mocinhos.
MS: É um coleção de sons cuidadosamente organizados e arranjados com muito carinho e amor, pronto para todos desfrutarem! Estamos trabalhando nisso há um tempo... Esperamos que as pessoas gostem!
O disco é co-produzido por Hugo Noguchi (Ventre), como surgiu a possibilidade dessa colaboração?
LF: Eu conheci tanto o Hugo quanto o Pedro Tambellini, que também produziu o disco, em shows da Mara Rúbia (banda do Pedro). Eu e o Hugo somos fãs e fomos todos nos conhecendo nessa esfera. Depois disso, nos encontrávamos por aí em outros shows pelo Rio de Janeiro. Tanto o Hugo quanto o Pedro foram começando a trocar uma ideia comigo de que estavam começando a produzir. Nós da banda começamos a falar de gravar um disco e não sabíamos com quem iríamos gravar. Sabíamos apenas que queríamos alguém que fosse não apenas um bom produtor, mas principalmente que tivesse gostos parecidos com os nossos e que fosse entender o nosso som. Falei pra banda sobre eles dois e começamos a cogitar trabalhar com um dos dois, o primeiro que topasse. Fui conversando com ambos sobre a possibilidade e partiu deles mesmos a ideia de produzirem o disco em conjunto.
Conhecem alguma coisa da música portuguesa?
VC: Quando era criança meu pai, em algum encontro de família, botou pra tocar uma música chamada "O Paraíso", de uma cantora chamada Madredeus, que me marcou (tanto que lembrei dela o suficiente agora pra achar no Google). Só que infelizmente não conheço nada além disso.
MS: Meu avô materno cresceu em Portugal e sempre faz alguma referência a artistas da época quando me conta sobre sua infância e adolescência. Mais recentemente, eu acompanhei o artista brasileiro Almir Chiaratti (que, coincidentemente, vocês entrevistaram no ano passado!) numa turnê pelo país, que me deu um contato muito próximo com a cena musical atual por aí. Tocamos em casas como o "Moi-te Bar" em Évora e o "B. Leza Clube" em Lisboa e vi que tem muita coisa interessante crescendo aí também. Destaco os grupos B-Mesmo (o baixista do qual, Walter Areia, também acompanhou o Almir na turnê) e GatoSapato como alguns dos que mais me marcaram.
Como gostam de descrever o vosso estilo musical?
LF: A gente brinca que nosso estilo é "rock dinâmico", porque é a melhor descrição que podemos dar. Eu adicionaria ainda uma descrição brega como "música para aventureiros" ou, melhor ainda, "música para pessoas imaginativas", que roubei do nome de um disco (maravilhoso) do músico americano Darwin Deez.
Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
Felipe Ribas (FR): Minha primeira aula de bateria foi aos 14 anos. Tive um professor espetacular, muito querido, que ampliou minha visão, não só no instrumento, mas também na educação. Seu estilo de aula era único. Desde então tenho me envolvido com o tema, de pré-vestibular comunitário até estágio em startup. Sinto que a educação é a ferramenta mais poderosa para o desenvolvimento da autonomia e manutenção da liberdade. E isso é lindo!
VC: Eu adoro game design e busco aprender sobre no meu (pouco) tempo livre, mas ainda não pude pôr nada em prática além da ocasional mesa de RPG com os amigos.
MS: Sou formado em design e sou completamente apaixonado pela área. Estou sempre correndo atrás de aprender as mais novas ferramentas, ficar por dentro das últimas tendências e chegar mais perto do meu objetivo de ajudar as pessoas através de um design centrado no usuário. Na verdade, ser um designer que também faz parte de uma banda é a melhor combinação possível porque sempre há a necessidade de criar algum material gráfico. Então é um espaço onde eu posso experimentar, testar meus limites e está sempre melhorando. Sou muito grato pelos meninos da banda por me deixarem fazer isso e me ajudar crescer e aprender cada vez mais.
Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
VC: A maior vantagem com certeza é poder se expressar e ver aquilo que você sentia enquanto compunha refletido em quem curtiu aquilo que você compôs. Para mim, a parte mais difícil é justamente uma que atrapalha essa vantagem: deixar a autocrítica de lado para abraçar e ver os pontos positivos de minhas composições.
Quais as vossas maiores influências musicais?
LF: Temos muitas referências mais antigas, como Mutantes, Yes, Gentle Giant, King Crimson. Mas o nosso som como um todo tem uma cara um pouco mais moderna. Nos espelhamos um pouco no indie de bandas como Grizzly Bear e no math rock de bandas como Delta Sleep e TTNG, mas também buscamos sempre manter uma identidade nacional, seguindo o exemplo de uma galera contemporânea daqui do Brasil: Baleia, O Terno, Boogarins, Ventre, Mara Rúbia...
Como preferem ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
FR: Streaming, com a maior qualidade possível!
MS: Eu amo o streaming pela infinita biblioteca de músicas que ele oferece, mas também faço questão de comprar o CD/vinil físico das bandas que mais gosto, porque assim eu sinto que estou realmente acompanhando aquele momento da banda. Gosto de ver as fotos, o encarte, as letras, de ter tudo em minhas mãos e de poder adicionar aquilo à minha coleção.
Qual o disco da vossa vida?
VC: Essa pergunta é muito difícil. Primeiro, porque ainda tem muito da minha vida pela frente e acho que só vou poder responder essa pergunta, mesmo, logo antes de morrer. Segundo porque cada disco tem um atrativo diferente que não necessariamente é mais forte que dos outros, ou seja, talvez apontar um disco específico nunca seja possível para mim. Mas se querem saber de discos dos quais nunca me canso, tem "Sound Awake" de Karnivool, "Tudo Foi Feito Pelo Sol" dos Mutantes, e qualquer coisa de Enemies e Delta Sleep que acho que são as coisas mais presentes na minha vida até agora.
LF: É, parece que eu tenho um “disco da minha vida” todo ano, ou um para cada fase da minha vida. Acho que ano passado foi "Crack-Up", do Fleet Foxes.
MS: Difícil mesmo, mas o primeiro que me vem à cabeça é "Charlie Parker with Strings", que é uma grande aula para qualquer saxofonista. Quando ouvi pela primeira vez, parecia que eu tinha entrado num sonho e até hoje sinto a mesma sensação quando volto pra ele.
Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
LF: O disco mais recente pelo qual a banda inteira se apaixonou foi "Emily’s D+Evolution", da Esperanza Spalding. Inclusive já tocamos uma música do disco, "Judas", algumas vezes em shows. Eu pessoalmente ando apaixonado pelo disco "Little Dark Age", do MGMT.
MS: Demorei para ouvir, mas "Melhor do Que Parece", da banda O Terno.
O que andam a ouvir de momento/Qual a vossa mais recente descoberta musical?
FR: O último álbum que apareceu na minha vida foi "Shakti", da banda - de mesmo nome - do guitarrista John McLaughlin ao lado do violinista Lakshminarayana Shankar. Comecei a ouvir numa época que estava lendo sobre os paralelos entre física quântica e o misticismo oriental. Esse álbum é um símbolo dessa interface: jazz ocidental fundido com os raagas indianos! Recomendo fortemente!!
VC: Estou ouvindo muito o último álbum do Tangled Hair, "We Do What We Can", que só arranjei tempo de ouvir recentemente. E também o álbum "Romã", da Sofia Freire.
MS: Estou degustando "Twio", do Walter Smith III, a discografia do Roy Pablo, e "Kebab Diskó", da Orphic Oxtra (por recomendação do Ribas!).
Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
VC: Sinceramente, eu tenho mais vergonha de quando estamos passando o som e preciso cantar algo sozinho para testar o volume do microfone do que qualquer coisa que tenha feito no palco até agora (e espero que continue assim).
LF: Teve uma vez que eu fui chutar um balão que estava no palco durante uma música e caí sentado. Essa foi bem engraçada. (risos)
MS: Essa situação tem alguns anos, mas no final de um concerto que toquei com a banda sinfônica do meu ensino médio, quando estavamos guardando as coisas, eu decidi tocar uma musiquinha comemorativa (piada interna com um amigo da banda) e a professora ficou furiosa, chamou minha atenção na frente de todo mundo e me deu um "zero" de participação pelo dia. Fiquei com tanta vergonha que queria morrer naquele dia. Acho que ela acabou pegando mais leve depois.
Com que músico/banda gostariam de efectuar um dueto/parceria?
VC: Qualquer pessoa que chegar com uma ideia legal!
Para quem gostariam de abrir um concerto?
MS: Acho que a banda inteira concorda que a única resposta aqui é a banda Baleia, daqui do Rio. Fica a ideia...
Em que palco (nacional ou internacional) gostariam um dia de actuar?
LF: O Circo Voador, aqui do Rio, é bem lendário. Já vimos tanto show bom naquele palco! Eu e o Vitor já tocamos lá uma vez, com nossa banda antiga, participando de um evento com várias bandas de escolas do Rio. Mas o sonho seria fazer um show nosso lá, com um público nosso, talvez dividindo o palco com alguma banda brasileira que admiramos.
MS: Gosto de sonhar, então alguma arena enorme por aí. O dia que isso acontecer, vou poder morrer feliz.
Qual o melhor concerto a que já assistiram?
FR: Foram os concertos do Brazil Jazz Fest. Numa noite, Herbie Hancock e Wayne Shorter; noutra, Anouar Brahem (Tunísia) seguido de Hamilton de Holanda!
VC: Seguindo a resposta do Luiz na pergunta anterior, gostei muito dos shows do Cícero (com abertura da Baleia!) e do Biffy Clyro que vi no Circo Voador. Também adorei o show de Snarky Puppy que vimos todos juntos!
MS: No momento que estou escrevendo isso, não aconteceu ainda, mas os shows que vou ver das bandas Chon e TTNG daqui a alguns dias certamente serão dos melhores concertos a que já assisti.
Que artista ou banda gostavam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
FR: Hermeto Pascoal!
LF: Fleet Foxes. Ou Grizzly Bear.
VC: Periphery, Delta Sleep, Tangled Hair, Foxing, Karnivool, Esperanza Spalding…
MS: So Much Light e Joanna Newsom!
Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) em que gostariam de terem estado presentes?
FR: Emerson, Lake & Palmer na Isle of Wight, lá em 1970! Que show mais lindo do mundo…
MS: 15 de maio de 1953 no Massey Hall em Toronto, com o grande quinteto: Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Bud Powell, Charles Mingus e Max Roach.
Têm algum guilty pleasure musical?
LF: Eu sou meio contra a ideia do "guilty pleasure"! Não tenho vergonha de admitir que gosto de algo.
FR: É isso! Só se sustenta tal ideia pela existência de uma sociedade julgadora. Paremos de julgar! Sejamos livres!!
Projectos para o futuro?
LF: Para o futuro próximo, estamos nos preparando para o show de lançamento do nosso disco e temos planos para fazer um clipe. Seria legal fazer vídeos de nós tocando as músicas também. E depois, trabalhar em novas músicas, de preferência juntos.
VC: Infelizmente nós temos rotinas e vidas muito cheias de outros projetos e responsabilidades para poder se juntar com apenas o intuito de improvisar/compor junto. A maior parte de nossas músicas chegou 90% pronta pro resto da banda. Nossos encontros são geralmente todos voltados para ensaiar ou (mais recentemente) gravar e lançar o disco. Pretendemos no futuro nos encontrar mais para compor em conjunto, coisa que adoramos ter feito nas poucas músicas que foi possível!
MS: Além disso, queria muito fazer um show com um trabalho de luz e projeção pensado exatamente para a banda, com animações bem doidas.
Que pergunta gostariam que vos fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
LF: Se ainda queremos tocar em Portugal algum dia? E a resposta é que certamente (risos). Se aparecer a oportunidade. O festival NOS Alive parece ser uma boa festa!
Que música de outro artista, gostariam que tivesse sido composta por vocês?
VC: Eu acho que arte em geral possui um aspecto muito único no sentido de quem estava envolvido em um projeto e o momento da vida em que cada pessoa estava quando participou. Pessoalmente não vejo nada por aí que gostaria que fizesse parte da minha identidade a esse ponto, muito menos de “roubar” da identidade dos outros.
LF: Acho que é bem por aí mesmo! Se eu tivesse escrito a música de outro artista, seria completamente diferente porque eu iria trazer as minhas experiências e a minha voz individual.
Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
LF: Talvez "Ilhas de Malabar", do nosso disco! Acho que poderia funcionar! (risos) Seria bem dramático... Acho que podia ser algo tranquilo e bonitinho, tipo "Blue Spotted Tail", do Fleet Foxes.
FR: A Nona Sinfonia de Beethoven! (risos) Bem original…
MS: Acho que a versão de "Danny Boy" do Glenn Miller. Porque me deixa muito feliz e triste ao mesmo tempo.
VC: Seria legal distribuir fones de ouvido para cada pessoa poder ouvir o que sentir que for adequado.
LF: Gostei! Quero mudar minha resposta pra isso! (risos)
Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Nós que vos agradecemos pela oportunidade! Essa foi nossa primeira entrevista como banda, então ficamos muito felizes de participar! Esperamos que gostem do disco!
Antes de terminarmos apresentamos o disco de estreia "Se Quer Aventuras", que se encontra disponível para escuta e download, através da plataforma Bandcamp.
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