Entrevista com a banda brasileira Alles Club, pela voz do guitarrista e vocalista Rodrigo Teixeira Lopes, conhecido simplesmente como Mr. Lopes. Projecto formado ainda por Fred Mendes (bateria), Nina Hübscher (baixo, teclas, voz), Ruan Lustosa (guitarra, baixo, voz) e Pedro Baapz (baixo). Sediados em Minas Gerais, estabelecem uma ponte aérea entre Suíça, Portugal e Brasil. Entre o shoegaze e o post-rock, assumem-se como um grupo de "amigos que gostam de música triste e guitarras barulhentas". Deixamos agora o convite, para conhecerem melhor os Alles Club, em mais uma edição das "Conversas d'Ouvido"...
Como surgiu a paixão pela música?
Mr. Lopes: Meu pai é um grande fã do Roberto Carlos e da música popular brasileira que chamamos de MPB. Ele sempre ouviu muita música. Eu comecei a escutar rock por causa de uma prima minha que me apresentou a Legião Urbana, os Titãs e os Paralamas do Sucesso, grande nomes do rock no Brasil nos anos 80. O Brasil era muito fechado em si mesmo nos anos 80. Com a MTV, eu passei a ouvir mais coisas estrangeiras, tipo Faith No More e The Cure. Fui aprender a tocar baixo aos 14 anos de idade - eu continuo achando que esse é o meu instrumento, apesar de sempre tocar guitarra nos meus projetos. A música foi ficando com uma necessidade de enfrentamento da vida e por uma certa constituição de identidade. Eu tinha um irmão muito esportista e eu não sabia fazer nada de esportes bem. Acabei me encontrando na música e fazendo amigos ouvindo música. Isso não mudou nada desde a adolescência. Continuo sendo terrível no futebol (risos).
Como surgiu o nome Alles Club?
A banda e o nome surgiram em conjunto com um velho amigo, o Luiz Alberto Moura (bandcamp). Eu já vivia na Suíça com a Nina (minha mulher e baixista da banda) e ele acabara de se mudar para Portugal para fazer um doutoramento. Começamos a trocar faixas de um projeto antigo e inacabado nosso. Dessa colaboração surgiu o nosso primeiro álbum, "1999", que foi o ano em que compusemos aquelas três faixas. O Luiz sabe falar bem alemão e pensamos em um nome que fosse em alemão e inglês ou português. O "alles" significa todos ou tudo em alemão. O nosso projeto pretendia ser aberto, liderado por nós, mas com muitas colaborações de amigos e músicos que admiramos. (O Luiz hoje acaba de lançar um disco todo colaborativo com músicos do mundo inteiro.) Hoje, depois que Nina e eu nos mudamos da Suíça para o Brasil, o Luiz não está tão envolvido com a Alles Club. Quando aqui chegamos, outros músicos que compraram a ideia e fazem parte: Fred Mendes, um antigo amigo da música, da época da duplodeck, Ruan Lustosa (também da Basement Tracks) e Pedro Baapz. Também tem colaborado com a gente a Stéphanie Fernandes (também da Papisa e Cinnamon Tapes) e a Isabel Oliveira (Flopsy Franny).
Editaram no final do ano passado o álbum “Décollage”, para quem ainda não ouviu, o que podemos esperar?
O "Décollage" foi concebido em um primeiro momento durante a relação à distância que a Nina e eu tivemos entre a Suíça e Portugal e, em um segundo momento, na nossa mudança para o Brasil. Sendo assim, ele fala de deslocamentos, de coisas desconhecidas, de chegadas a novos lugares e partida de lugares conhecidos. É um álbum de viagem, para ser ouvido em uma viagem de comboio, numa road trip ou num vôo. Ele narra, desde a partida, o sentimento de entusiasmo e antecipação da chegada ao destino (Décollage, que narra literalmente um voo), os encontros e reencontros que valem a pena a espera ("Quanto Tempo"), a montanha russa de se lidar com o desconhecido ("Libélula"), o entusiasmo com o novo ("Voando"), a melancolia e saudade que batem quando estamos longe de casa ("Madrugada"), até finalmente o retorno para casa, onde toda a jornada parece fazer mais sentido ("Canção da Volta"), onde se ouve a questão: “A saudade volta comigo ou será que fica lá?”. A escritora Maria Bitarello que admiramos muito descreveu o conceito de uma forma muito bonita - essa descrição estará no encarte do Décollage em vinil (a ser lançado pela Pug Records e Custom Made Music Records):
"Entre “Décollage” e “Canção da volta”, temos a jornada: 6 faixas e uma travessia. A cada canção, uma memória pode emergir à superfície; ora como bolinhas de ar vindas lá do fundo, ora como um submarino que atravessa a linha d’água e bagunça tudo ao redor. Memória daqui pra frente. "Décollage" não é um álbum melancólico, embora provoque uma grandiosa e orquestrada força centrípeta, pra dentro do peito. Tem saudade, sim, mas saudade é tão bom. É um lugar no espaço-tempo onde podemos estar no agora, no ontem e no amanhã; sabendo que o tempo linear é uma invenção, optamos por rompê-lo. Como o olfato que pode-nos remeter a uma sensação precisa da infância, a música do Alles Club nos conecta à linha no centro da estrada, ao som ritmado do trem sobre os trilhos, ao vácuo de uma espaçonave, ao aconchego sacolejante do ônibus noturno. Nos liga, à jato, ao espaço sem tempo ou ao tempo sem espaço, possível sempre e apenas numa viagem. O percurso é só presente; tudo é possibilidade. Uma liberdade difícil de dizer, mas que reconhecemos à primeira escuta. Ou na segunda, terceira, centésima. Dependendo do trajeto, dá pra ouvir o disco todo algumas vezes. A parede sonora de guitarras distorcidas pode te levar às lágrimas e o trompete, o piano, te levarem pra um lugar onde as emoções tomam forma. Não será um delírio se você reconhecer temas e motivos ao longo do LP. O que chamo de recursos mnemônicos, refrães da mente, rememoração prospectiva. E antes, mesmo que seu avião – ou o do álbum – aterrasse ou que o trem chegue à estação, Brasil, Suíça e Portugal estarão entranhados em seus ouvidos afetivos. Os amigos e parceiros colaboradores do disco, vindos de diferentes cantos do mundo, cantos de vozes e de baleias, agora também serão seus. Só você pode fazer o seu caminho. Então, aprume-se. Ultreya y Suseya."
O “Décollage”, foi parcialmente composto em Portugal, como é que o país entrou na vossa vida?
Eu antes de me mudar para a Suíça em 2013 por causa do nascimento do meu filho Nuno (nome português, ha!) eu vivia em Portugal por conta de um doutoramento em psicologia na Universidade do Minho em Braga. Estive aí a viver por sete belos anos da minha vida e curti cada minuto. Quando aí estive, me envolvi com músicos da cena ambiente/experimental (Undara, principalmente), que me influenciaram muito em fazer mais música instrumental e a não me importar tanto com o tempo das músicas e a experimentar sensações sonoras sem muitos formatos pré-definidos. Foi nessa época de Portugal que comecei também a aprender mais sobre produção musical e a compor novos temas e organizar os temas antigos ("Quanto Tempo", que está em Décollage também é uma canção antiga, composta em 2001). Foi em Portugal que gravei também algumas baterias no Estúdio Entreparedes no Porto. Sei que em algum momento iremos apresentar em Portugal, estamos nos organizando para isso.
O que conheces mais da música portuguesa?
Antes de me mudar para Portugal, eu já conhecia os Mão Morta, para além dos clichés do Madredeus e Toranja. Como eu vivi aí, acompanhei bastante a cena dita "indie". Eu curtia muito Noiserv, Peixe-Avião, o B Fachada e ouvi muitas bandas portuguesas de excelente nível.
Quais as vossas maiores influências musicais?
Temos inspirações de post rock (Mogwai, Sigur Rós, Explosions In The Sky) e do shoegaze (por exemplo, My Bloody Valentine e Slowdive, que é uma das nossas unanimidades) e outras como Yo La Tengo, The War On Drugs, Radiohead, Sonic Youth, por exemplo. Algumas das nossas referências podem ser ouvidas aqui nessa playlist.
Como gostas de descrever o vosso estilo musical?
Eu gosto de dizer shoegaze/post rock. Acho que as pessoas que conhecem essas expressões sabem o que estou a dizer. Quando pessoas fora desse universo me perguntam eu digo que é rock experimental, melancólico, mas não sei se gosto dessas expressões porque não sinto que há algo de inovador em nossa música, mas que sintetizamos coisas que ouvimos e gostamos.
Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Eu sou psicólogo e investigador de profissão e de paixão. Isso divide boa parte do tempo que eu poderia dedicar à música.
Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Trabalhar com beleza é muito sedutor e prazeroso. Músicos trabalham com beleza que entra pelos ouvidos. Às vezes também trabalhamos com beleza visual através das capas dos álbuns e dos vídeos. Quando tocamos alguém, nos sentimos muito honrados e tudo faz sentido. Não sei se há desvantagens. Muitos dizem que é a financeira, o que é uma realidade. No meu caso, procuro não depender do meu trabalho de músico financeiramente.
Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Adoro os vinis, mas estou cada vez mais distante deles. Agora em breve, minha família e eu vamos nos mudar de volta para a Suíça (a Nina Hübscher é minha mulher e é suíça) e estou a me desfazer de quase todos os meus vinis e CDs. Tenho uma coleção invejável, mas não é possível carregar isso para todo o lado. Até pouco tempo eu tinha uma coleção de mp3 toda organizada, mas com a chegada do streaming (eu tenho usado o Spotify), perdeu sentido passar tempo organizando mp3. Ainda assim, gosto de ter música para escutar offline, nas minhas viagens. Apesar do streaming, eu não perdi o hábito de escutar discos inteiros. Tenho algumas playlists em que coloco álbuns inteiros na sequência. Isso influencia muito o desejo da Alles Club em criar um álbum que seja ouvido na íntegra.
Qual o disco da tua vida?
Isso oscila muito! :) Há alguns discos que me acompanham por muito tempo. Um deles é o Clube da Esquina, do Milton Nascimento com o Lô Borges. É um movimento que influenciou muitos músicos do estado em que nasci e ainda resido, Minas Gerais e do Brasil, talvez do mundo também. Há de tudo ali: psicodelia, tropicalismo, melancolia, dissonância. Eu quis aprender a tocar baixo por causa desse álbum. O "Takk..." dos Sigur Rós também mudou muito a minha vida e me arrepio até hoje quando o ouço na íntegra.
Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Os álbuns do Mogwai sempre me deixam maravilhado. Eles são uma das minhas maiores inspirações para fazer a música que faço. O álbum deles de 2017 tem tocado muito até hoje na minha casa e eu sempre descubro a minha nova canção favorita nele.
Qual a tua mais recente descoberta musical?
Os americanos dos This Will Destroy You. Comecei por ouvir muito o álbum "S/T" e agora tenho ouvido todos e sempre me surpreendo de como são bons!
Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
Acho que foi confundir o nome da próxima banda que se ia apresentar com uma outra (risos)
Com que músico/banda gostariam de efectuar um dueto/parceria?
Eu adoraria abrir um concerto dos Mogwai ou dos Sigur Rós. Tentei convidar o Milton Nascimento para cantar a "Canção da Volta", mas não consegui chegar até ele.
Qual o melhor concerto a que já assististe?
Acho que foi o dos Flaming Lips, no Primavera Sound em Barcelona. Adoro o som deles e ver aquele espetáculo ao vivo foi incrível. Também o concerto do Slowdive no Primavera Sound do Porto foi algo inesquecível. Eu sempre gostei da banda, mas só ali eu compreendi verdadeiramente a sua grandeza.
Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Os japoneses do Mono. Perdi por pouco o concerto deles no Porto e nunca vieram ao Brasil (até onde eu sei). Não sei se vou conseguir ir ao Japão para vê-los, mas é possível que eu os veja em breve na Europa.
Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
O concerto do Spiritualized em que tocam o "Ladies and Gentleman We Are Floating in Space" na íntegra e acompanhados de uma mega orquestra no Carnegie Hall já é algo indescritível no vídeo de baixa qualidade do youtube. Imagino que estar ali deve ter sido algo maravilhoso.
Tens algum guilty pleasure musical?
Meus amigos vivem a gozar de mim por ouvir os canadianos Rush (risos). Nesse caso, não há nada de culpa nisso, pois aprendi muito com eles.
Projectos para o futuro?
Muitos. Estamos trabalhando em um novo disco temático para ser lançado no final de 2019 ou no começo de 2020. Com a mudança de país, teremos um desafio de continuar as apresentações, mas continuamos trabalhando nas composições.
Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
Gostava que me perguntassem mais sobre o processo de composição para que eu tivesse a oportunidade de falar sobre como eu acho que o baixo é o rei da harmonia. Gosto muito de brincar com o baixo em cima das harmonias simples (acordes maiores e menores). Se estás a tocar um dó maior e o baixo vai para Mi, aquilo vira um Mi e tem um impacto sensorial imenso. Acho que a nossa música é para ouvintes que curtem essas pequenas dissonâncias. Também gostava de falar sobre criar atmosferas que podem parecer melancólicas, mas que na verdade são otimistas e cheias de esperança.
Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
"I Heard You Looking", dos Yo La Tengo ou a "Helicon 1", dos Mogwai. Não é por acaso que as tocamos em alguns concertos.
Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Curioso terem feito essa pergunta. A morte é um tema que tem me rondado recentemente, com uma intensidade maior. Há pouco os médicos suspeitaram que eu teria um melanoma. Foram cinco meses de exames para descobrir que não era nada e o tumor (benigno) foi removido e tudo ficou bem. Nesses cinco meses, eu pensei muito sobre a minha própria morte e isso foi empoderador. Produzi mais, fiz mais questão de estar próximo às pessoas que eu amo enquanto eu ainda estava vivo.
Uma resposta direta à vossa pergunta seria que eu gostava de uma música alegre, em que as pessoas celebrassem as memórias que tiveram comigo e não encarassem a morte como uma perda. Talvez "Do You Realize??", dos Flaming Lips, que considero uma grande canção sobre morte. "... instead of saying all of your goodbyes/Let them know you realize that life goes fast/It's time to make the good things last".
Estamos escrevendo um disco sobre o luto. Sobre perder alguém. A nossa ideia é que mesmo a pior das perdas pode ser ressignificada e ser associada a novos sentidos de vida. Eu perdi um irmão jovem e fiquei muito triste, mas a morte dele me ensinou que eu sobrevivo a muita coisa e me deu uma certa confiança, além de conseguir valorizar estar vivo e saudável.
Uma resposta direta à vossa pergunta seria que eu gostava de uma música alegre, em que as pessoas celebrassem as memórias que tiveram comigo e não encarassem a morte como uma perda. Talvez "Do You Realize??", dos Flaming Lips, que considero uma grande canção sobre morte. "... instead of saying all of your goodbyes/Let them know you realize that life goes fast/It's time to make the good things last".
Estamos escrevendo um disco sobre o luto. Sobre perder alguém. A nossa ideia é que mesmo a pior das perdas pode ser ressignificada e ser associada a novos sentidos de vida. Eu perdi um irmão jovem e fiquei muito triste, mas a morte dele me ensinou que eu sobrevivo a muita coisa e me deu uma certa confiança, além de conseguir valorizar estar vivo e saudável.
Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Muito obrigado a vocês, pelo interesse e pela abertura. Tive imenso gosto em responder a essas perguntas.
Apresentamos agora o álbum "Décollage", que se encontra disponível para escuta e download, através da plataforma Bandcamp.
Apresentamos agora o álbum "Décollage", que se encontra disponível para escuta e download, através da plataforma Bandcamp.
Sem comentários:
Enviar um comentário