terça-feira, 7 de maio de 2019

Conversas d'Ouvido com Little Friend

Entrevista com Little Friend, projecto do cantor e compositor John Almeida. Cinco anos depois da edição do debut "We Will Destroy Each Other", está de regresso com o novo disco "A Substitute for Sadness". Durante esse período "houve uma desconstrução gradual de tudo o que estava a ser escrito e vivido, até ser inevitável uma reconstrução quase total da música, do som, e até da identidade do projecto." Contudo ninguém melhor do que o próprio John Almeida, para nos falar da sua música, na primeira pessoa, nesta edição das "Conversas d'Ouvido"...

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
John Almeida: Bem, não tenho propriamente memória de um momento em que tenha começado, é como se sempre tivesse existido… Lembro-me de certos momentos fulcrais em que tudo se intensificou, como aperceber-me de que aquilo era feito por pessoas, que tocavam instrumentos, que criavam coisas lindas a partir de nada, no fundo. Lembro-me de comprar o meu primeiro disco, lembro-me de querer tocar, de pegar numa guitarra pela primeira vez…

Como surgiu o nome Little Friend?
Eu queria recomeçar a tocar, depois de ter parado durante uns anos porque a minha banda anterior tinha acabado; arranjei uns concertos para tocar as músicas acústicas que tinha andado a escrever e não tinha nome para porem nos cartazes. Eu perdi um pouco a memória de como aconteceu o nome, sei que estava com um amigo meu músico que me estava a encorajar a arranjar um nome para poder tocar! E sei que um de nós pensou na palavra Little, e outro na palavra Friend. E gostei da junção.
Little Friend: "A Substitute for Sadness"
Editaste recentemente “A Substitute for Sadness”, para que ainda não o que podemos esperar?
Acho que é um disco que oferece muitas coisas diferentes: guitarras, sintetizadores, alguns refrões pop, algo mais intorspectivo também. Eu quis que este disco fosse um abrir de horizontes em relação ao primeiro, que houvesse mais arranjos, mais camadas, sem deixar de ter aquele impacto directo de um refrão e de uma melodia que se possa trautear. Acho que é um disco mais completo, e que me abriu caminho para fazer coisas diferentes e novas.

Passaram cinco anos desde a edição do disco de estreia. Durante esse período vivenciaste um processo de transição, ou a chama havia esmorecido?
Foi um processo muito difícil por vezes; não se tratou de um esmorecer. A minha vida pessoal deu umas grandes voltas e tornou-se impossível estar a fazer música. Ao mesmo tempo, eu quis fazer algo diferente do primeiro álbum, e tive de recomeçar várias vezes (até na minha cabeça) para perceber o que queria fazer, e como, e com que som. Portanto a chama nunca foi mais forte, foi uma tortura querer fazer coisas e ter de esperar.

Quais as tuas maiores influências musicais?
São demasiadas para enumerar… Desde cantautores como Bob Dylan e Leonard Cohen, Gram Parsons e Townes Van Zandt, Neil Young… bandas como os Byrds, que tinham um som muito próprio, todo o som da California entre 66-77, artistas como Bowie e Prince (que durante anos foi o meu preferido), sem esquecer que o meu início na música mesmo foi através do punk, de bandas como os Ramones, os Clash, os Dead Kennedys, Cramps... isso sempre me influenciará. Gosto do cruzamento da escrita com a música, a Patti Smith, o Serge Gainsbourg, o Cohen que já referi. Coisas mais recentes que me influenciaram muito foram o Elliott Smith, um génio; mas há tantas mais….

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Uma grande paixão para mim é o cinema. Estudei cinema vários anos e escrevi vários argumentos. O cinema e a música conjugam-se extremamente bem, e como gosto de escrever, também meto nessa mistura a literatura. Acho que a música precisa de boa escrita, e que o cinema precisa de boa música, e que a literatura nos ajuda a criar essas duas coisas. É preciso ler para poder escrever.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Prefiro ouvir em vinil, confesso. Sou de uma geração que passou pela transição de vinil para CD, e durante uns 10 anos só comprei CDs… era o que considerávamos moderno e mais prático. Com o advento do mp3 e do streaming dei por mim a entristecer com a desvalorização do objecto “disco”, e comecei a sentir nostalgia pelos discos de vinil, pela altura em que a compra de um disco e a descoberta de música nova era demorada, era trabalhosa e propositada, e pelo ritual de ter aquele objecto nas mãos e abri-lo, explorá-lo.
Qual o disco da tua vida?
Essa é a pergunta mais difícil de todas…porque muda quase todos os dias! Nem sei se consigo responder a isso dessa forma. Digamos que por exemplo, a certa altura o disco da minha vida foi o "London Calling" dos Clash; noutra altura foi o primeiro álbum dos Velvet Underground; durante muito tempo foi o "XO" do Elliott Smith; tive um ano em que ouvi o "On The Beach" do Neil Young várias vezes por dia…

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Assim de repente acho que foi o "Make Way for Love" do Marlon Williams. Mas também antes disso o "Stranger in the Alps" da Phoebe Bridgers, que no Natal de 2018 foi basicamente a banda sonora da decisão mais difícil de dolorosa que já tomei na vida.

Qual a tua mais recente descoberta musical?
Mais recente foi a Julia Jacklin, gosto muito do disco dela.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Acho que nunca tive nada de muito embaraçoso, para além de cordas a partir, microfones a cair, falsas partidas em músicas por causa dos nervos… uma vez saltei e sem querer parti uma guitarra que tinha um valor inestimável para mim.
De resto, nada de extraordinário.


Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Há muitos! Nem vou falar no panorama internacional, mas cá dentro de Portugal há mesmo muitas pessoas interessantes. Adorava fazer alguma coisa com o João Vieira dos X-Wife e White Haus, porque somos amigos há 25 anos e já tocamos juntos na mesma banda. Temos música completamente diferente, e isso é engraçado. Adorava fazer um dueto com a Filipa Marinho, que tem música muito interessante. A Joana Serrat também adorava fazer algo com ela (catalã, não portuguesa, eu sei) E bandas como os Best Youth… Adorava compor e escrever para alguma vozes femininas no universo mais pop.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Também quase impossível de dizer. O concerto que vi do Elliott Smith foi o mais forte emocionalmente.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Hmm….gostava de ver a Phoebe Bridgers.
Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Acho que qualquer concerto dos Rolling Stones em 67 e 73.

Tens algum guilty pleasure musical?
Não, adoro tudo o que adoro sem culpa. A música é a música, e poses, modas e status são para idiotas.

Projectos para o futuro?
Tocar, tocar, tocar. Levar os Little Friend ao mundo e preparar já o próximo disco.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
Gostava que me perguntassem mais sobre as minhas letras. Já perguntaram, mas quero mais. As respostas são inúmeras.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Oh, mais uma pergunta impossível. O "California Dreamin'" dos the Mamas and the Papas. O "Say Hello, Wave Goodbye" dos Soft Cell; o "Heroes" do Bowie; o "Gouge Away" dos Pixies; e por aí fora.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
"Chelsea Hotel #2" do Leonard Cohen. Porque tem a frase we are ugly but we have the music.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Muito obrigado

Por fim terminamos com o vídeo do single "Sombre Song", que conta com a realização e produção de André Tentugal.

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