terça-feira, 28 de junho de 2016

Conversas d'Ouvido com Then They Flew

Os Then They Flew, são os mais recentes convidados das "Conversas d'Ouvido", banda nacional de rock instrumental/post-rock. Bernardo Sampaio, Gonçalo Paiva, Ricardo Almeida e Marcos Janela, demonstraram-se apaixonados pelas artes em geral, numa conversa descontraída e absolutamente imperdível... Relembramos que os Then They Flew já mereceram destaque prévio no ouvido alternativo e integram a nossa categoria "Almost Famous".

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?

A paixão pela música surge da vontade de querer pertencer e de conseguir influenciar outros, tal como fomos influenciados. Como público sabemos a habilidade da música para formar grupos e o seu poder em nos fazer sentir. A nível pessoal, começou com o desejo de imitar pessoas próximas que tinham algum envolvimento com a música, ou por tocarem ou por conhecerem, e continuou com o reforço positivo recebido após tocar para outros o que iámos aprendendo. Aos poucos, vamos percebendo que não fomos tão elogiados em mais nada como na música ou que nada nunca funcionou tão naturalmente para fazer alguém sentir admiração por nós ou influenciar positivamente a vida de alguém. É uma espécie de selecção natural.


Como surgiu o nome Then They Flew?
Foi uma escolha difícil. Uma discussão interminável, como imaginamos que seja em qualquer banda. Claro que fizemos uma longa lista de nomes e nada parecia bater certo. Depois começaram a surgir frases como nome e o leque de opções ficou mais alargado. No entanto, gostámos da capacidade de se poder contar uma história com uma frase, e que no nosso nome contasse uma história antes sequer de se ouvir a nossa música. Mas essa história teria de ser abstrata o suficiente para permitir uma interpretação pessoal única. Até entre nós temos ideias diferentes sobre o seu significado. Voar acaba por ser a ideia mais concreta, ainda assim, voar pode ser tanta coisa... Do sujeito apenas sabemos que é plural. E do advérbio, que aconteceu depois. Cada um que junte as peças.
Entretanto, essa frase apareceu através de rascunhos do antigo baterista e que fez lembrar um último verso de um poema de Guillaume Apollinaire, do qual o Bernardo gosta muito. Mas acabou por ser escolhida intuitivamente por todos.

Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
No geral, temos todos uma inclinação para as artes plásticas. Alguns na pintura, outros na fotografia, mas também na escrita. Outros dominam completamente a arte de comprar pedais em segunda mão (haha), o que dá muito jeito dentro do género.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Há uma frase repetida entre músicos que ilustra um pouco o sentimento face à profissão: o músico é aquele que trabalha enquanto toda a gente se diverte. Por muito divertido que tocar possa ser, um trabalho é um trabalho. Sentimos que, cada vez mais, as pessoas percebem a trabalheira que dá pôr uma banda a soar ou o esforço por detrás de uma composição ou de uma letra. Mas o facto de ser ‘diversão’ não permite que a música esteja no mesmo patamar de emprego que outros trabalhos. Basta tentar ir a uma festa e responder com "sou músico" à pergunta "o que fazes?" sem ouvir de imediato, "mas consegues viver disso?". E, de facto, muitos não vivem. Mas muitos não vivem de outras coisas. Contudo, alegra-nos que isso esteja a mudar.
Vida de músico quer muitas vezes dizer ter um emprego durante o dia e passar horas fechado numa sala à noite. Às vezes, meter um dia de férias ou de baixa para ir tocar não sei onde, arrumar o material às 4 da manhã e entrar no trabalho às 9. Canalizar parte do rendimento para suportar o hobby, na esperança de cumprir um sonho adolescente. Cada um tem o seu vício,não é?
É a felicidade e a sorte de se viver ou de viver para aquilo que mais gostamos de fazer, de ver as pessoas juntarem-se à nossa volta para passarem um bocado, de essas pessoas perguntarem acerca do ‘outro lado’, de conhecermos o ‘outro lado’ de músicos que admiramos. Algo que é comum a muitas funções que são postas num pedestal e, se calhar, até têm essa importância.
Seja qual for o caso, são sempre muitas horas, muitas horas...

Quais as vossas maiores influências musicais?
Temos o mesmo passado, na infância e adolescência, vicado pelos clássicos do rock e do metal, de The Doors a Metallica, e com alguma tendência para o progressivo, de Pink Floyd a Dream Theater (pré-Octavarium). Mais tarde o fascínio de cada foi divergindo à procura de coisas novas: uns no jazz, outros na música erudita, ou mesmo o Gonçalo que fica horas a ouvir síntese granular e música espectral (haha).
Brincadeiras à parte, mesmo nessa dispersão, nunca andámos muito distantes. Foi dentro do Post-Rock que encontrámos uma área comum para explorar a música em conjunto.
Para responder a influências específicas dentro do Post-Rock, a página Planeta Post-Rock desafiou-nos a criar este Top 10

Como preferem ouvir música? CD, Vinil, K-7, Streaming, leitor mp3?
Preferimos ouvir música. Se houver melhor qualidade sem que isso dê mais trabalho, melhor. No fundo, hoje grava-se melhor num quarto do que os Led Zeppelin gravavam em estúdio (haha), e tudo se resume à composição e ao que ela nos diz. Mas, não podemos descorar o efeito físico do som no nosso corpo, com consequências fisiológicas demonstradas. Há muita informação que se perde na compressão e que, muitas vezes, já é tão bem feita que nem ouvidos treinados dão conta, mas o corpo acaba por saber sem saber. Ou talvez não, mas gostamos de acreditar que sim.

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
O streaming está apenas a mudar a forma como a música é consumida. Para continuar a ser consumida, vai continuar viva. Claro que, sendo a tecnologia ainda uma novidade, é mal regularizada, o retorno é baixo, etc.. 
O que mata a música são as pessoas que adoram uma música ou um artista (alguém que lhes falou como nunca ninguém lhes falou, que lhes disse aquilo mesmo que precisavam de ouvir, que as ajudou a atravessar maus momentos ou festejou com elas os bons, ou até que serve só como motivação para o cárdio que odeiam fazer) e que nem se lembram de pagar por um CD ou concerto o mesmo que pagam por uma bebida. 

Qual o disco da vossa vida?
Estamos a gostar muito do Stable as the Earth Stops Spinning (haha). Mas temos vários, The Lamb Lies Down on Broadway (Genesis), Days of Future Passed (The Moody Blues), ...And Justice for All (Metallica), 10,000 Days (Tool).

Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
A Moon Shaped Pool, dos Radiohead; IV, dos BadBadNotGood; Hand. Cannot. Erase. do Steven Wilson; Macroscope dos The Nels Cline Singers.

O que andam a ouvir de momento/Qual a vossa mais recente descoberta musical?
A última que andou a rodar pela banda foi a Reset dos MuteMath.

Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
Felizmente, ainda nenhuma.

Com que músico gostariam de efectuar um dueto/parceria?
Individualmente, as respostas são muitas. Como banda, adoraríamos fazer banda sonora para os realizadores que adoramos: Lynch, Mallick, Cronenberg, Haneke, tantos... E muitos exemplos no cinema português também, como o João Salaviza, Pedro Costa, Miguel Gomes. Quem diz cinema, diz teatro.

Para quem gostariam de abrir um concerto?
Mono, Caspian, Explosions in the Sky, Russian Circles, entre outros.

Em que palco (nacional ou internacional) gostariam de um dia actuar?
Claro que gostaríamos de ter a dimensão para enchermos um Coliseu ou o Wembley Stadium, mas interessa-nos mais o contexto. Por isso, gostamos do formato festival por enquadrar o nosso trabalho. Gostaríamos de tocar no Amplifest, no Dunk!Festival, no ArcTanGent. Partilhar a noite com bandas que nos preencham, conhecidas ou não, e tocar para pessoas que se entusiasmem com o que fazemos. Quantas mais, melhor.

Qual o melhor concerto a que já assististiram?
[Gonçalo] Neil Young no Alive há uns anos. Mas a Orquestra Sinfónica de Berlim a tocar o Requiem für einen jungen Dichter, do Zimmermann, partiu qualquer coisa cá dentro para sempre, no melhor dos sentidos. Em ambos os casos, não estava à espera.
[Ricardo] Opeth no Roundhouse, em Londres. Foi o meu sonho tornado realidade.
[Bernardo] Mogwai e Explosions in the Sky no Primavera Sound. Em formato mais íntimo, Carlos Bica e Azul no Hot Clube.
[Marcos] Isis no Incrível Almadense.

Que artista ou banda mais gostariam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
Este ano tivemos e vamos ter oportunidade de ver muitas delas, no Primavera e no Amplifest. Mas começando por Tool...são muitos, John Zorn, Nels Cline, Buckethead...

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) que gostariam de ter estado presente?
Qualquer um do Zappa, obviamente.
Pink Floyd. Woodstock de 69. Ou os Ballets Russes do Stravinsky para ver a reacção do público. 

Qual o vosso guilty pleasure musical?
Trance, Tiny Tim e Laura Pausini.

Projectos para o futuro?
Gostaríamos de gravar o próximo registo no início de 2017.

Próximos concertos?
Estamos a organizar o Post Iberia Fest que vai acontecer dia 22 de Julho no Stairway Club em Cascais. A ideia é juntar o que de melhor se faz na Península Ibérica dentro do Post-Rock. Vamos tocar juntamente com duas bandas de Madrid, os This Thing Called Life (Post-Hardcore) e os Le Temps du Loup (Post-Rock com inclinação Stoner e Doom). 

Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
Mais uma vez, cada um teria a sua preferência musical, ou até mesmo o silêncio. Por agora, os Then They Flew iriam ao som da Owls.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Relembramos que o debut dos Then  They Flew pode ser escutado através da plataforma bandcamp.

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