terça-feira, 19 de julho de 2016

Conversas d'Ouvido com Aires


Estivemos à conversa com Aires, alter-ego musical de Vítor Bruno Pereira, projecto no qual percorre os caminhos do Drone e do experimentalismo. Nesta edição das "Conversas d'Ouvido" descobrimos alguém que como nós é apaixonado por cinema e adora concertos ao vivo, entre os que mais o impressionaram, incluem-se nomes como Ben Frost, Tim Hecker e HHY & the Macumbas. Podemos assegurar que esta entrevista é imperdível para ficarem a conhecer um pouco melhor este multi-facetado músico que figura ainda nos projectos Ulnar e Verãopop...

Como surgiu a paixão pela música?
Não fui daquelas pessoas que cresceu rodeada por músicos e por instrumentos e tudo o mais, e também não posso dizer que a música tenha tido uma presença muito marcante lá em casa. Comecei a “devorar” música com 11, 12 anos, quando me chega à sala de casa um modem 56k. A partir daí começa a descoberta, sustentada pela troca de MP3 pelo IRC, downloads aos soluços pelo AudioGalaxy, Kazaa…

Como surgiu o pseudónimo Aires?
‘Aires’ surge quase como por brincadeira… Precisava de um nome que cortasse com os projectos que tinha antes, e como não estava numa de chamar o projecto Bruno Pereira ou algo do género, pensei em usar um nome  próprio que simplesmente não fosse o meu. Comecei a pensar nos meus nomes favoritos e durante algum tempo ainda ponderei chamar a coisa de Ildebrando Aires, a conjugação dos meus dois nomes preferidos. Mas era pouco prático, por isso ficou só Aires.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Muitas coisas, mas se tivesse que resumir, destacaria o cinema, o guionismo, o jornalismo, a crítica… Principalmente o cinema.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Não sei bem, terás que perguntar a um músico :)

Quais as tuas maiores influências musicais?
As maiores influências para a minha forma de trabalhar e de pensar a música que faço não são certamente discos, bandas ou sequer música ou sons. Tento partir de um conceito, de uma ideia, e de basear as faixas à volta desse conceito, como se fossem uma representação sonora possível desse conceito. O "Fantasma" é exactamente isso: uma tentativa de criar sons que representassem o elemento fantasmagórico que nos rodeia, toda esta confusão digital, intangível, que é viver em 2016. Pensei a estética a partir de uma desconstrução daquilo que chamamos de vaporwave, que é algo que me interessa bastante e não apenas a nível musical. O fascínio pela ruína, pela desconstrução da ruína. Musicalmente não tem nada a ver com o black metal, mas filosoficamente a conversa é outra : vaporwave é black metal com ironia.  De qualquer modo a questão pede influências musicais, e essas não consigo nomear. Às vezes estou a ver um filme e há determinado som ou ruído que me deixa intrigado, e a partir daí posso tentar recriar a ‘sensação’ que o som provocou, e não o som em si. Noutros casos tento destruir até ficar um borrão indistinto que remete a minha imaginação para x ou y. É mais por aí.

Como preferes ouvir música? CD, Vinil, K-7, Streaming, leitor mp3?
Não sou um fetichista dos formatos físicos, muito menos um saudosista, e não sou velho o suficiente para ter nostalgia, sentimento que é para encarar com muita cautela, na minha opinião. Alguém como eu, que nasceu em 1987, provavelmente cresceu com um walkman do tamanho de um tijolo e, mais tarde, um discman daqueles em que o CD deixava de tocar ao mais pequeno abanão. O vinil é um formato caro, pouco acessível, que nada me diz. Já a k7 é diferente : barata, feia e suja. Uma verdadeira ruína. Gosto da ideia de imperfeição e de confusão inerente ao som em k7. Não foi à toa que lancei o “Pânico-Ambiente” -  colaboração harsh noise com o meu amigalhaço Rui P. Andrade - em k7. Respondendo à questão, mp3 porque é o formato que surge naturalmente quando ouço música ou penso ouvir música. Lá está, tenho recordações com qualquer um dos formatos físicos, mas nada tão presente quanto sacar demos em .rar do eMule.

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
Está a fazer as duas coisas. Uma coisa é certa: está a mexer com a indústria e a forçar toda a gente a repensar os formatos (LP, EP, Single, Demo…) e a forma como os consome. A Internet já tinha feito isso, de certa forma, mas penso que vamos assistir cada vez mais a um desaparecimento do formato tradicional de álbum, com 40 minutos e 8 canções, etc. As coisas vão ficar mais ‘desorganizadas’. A verdade é que plataformas como o bandcamp e até mesmo o youtube vieram ajudar bastante as bandas e os músicos de nichos, que de outra forma, ou noutra altura, estariam sempre à margem e com ainda menos visibilidade. Para quem gosta de música mais comercial e conhecida, calculo que o Spotify, Tidal e afins sejam boas alternativas para quem não quer arriscar e quer ter por perto as mesmas coisas de sempre. Não vai ser no Spotify que vamos descobrir a próxima grande cena do black metal russo, de certeza. Do ponto de vista do negócio, é tudo muito bonito, excepto para as bandas e para os músicos, claro.

Qual o disco da tua vida?
Não tenho um disco que marque toda a minha vida. Porque o gosto não é uma coisa constante, ou estanque. O que não quer dizer que se deixe de gostar de x ou y… Mas pensar num disco de ‘uma vida’ é pensar em muito tempo.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Tenho ouvido bastante o ‘Pale Dawn’, o último disco de Sun Worship. Acompanho a banda desde o começo e não estava à espera que fossem nesta ‘direcção’, sinceramente. Mas há muitos discos bons aí a rodar. O meu leitor de MP3 diz-me que tenho ouvido muito o último de False, o disco de estreia de Spectral Wound, as demos de Sulphuric Night e o ‘Early Summer’ de Miami Nights 1984, ao qual regresso regularmente.

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Vou destacar duas bandas : Beach Slang, uma banda que deve ter sido formada por malta que passou anos a ouvir Mineral e Bruce Springsteen em partes iguais, e Sulphuric Night, membro raivoso e febril da cena black metal bósnia (é uma cena a sério), companheiros de tour perfeitos caso os Black Cilice decidam tomar a Europa de assalto.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Nem é preciso recuar muito no tempo: Maio de 2016, Combustão Lenta #4. O meu set ainda nem tinha chegado aos 10 minutos e o Ableton Live - programa que uso para tocar ao vivo - começa aos soluços e apaga-me, um a um, os layers que estou a tocar. Portanto, estive a suar em bica durante um bom minuto a ver os layers a desaparecerem um a um, sabendo que eventualmente não resta nenhum e o concerto vai ter que se parado. É pedir desculpa, levantar a mão em jeito de mea culpa, e continuar.

Com que músico gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Tem mesmo que ser com músicos?

Não.
Na febre do pós-Europeu de futebol, aproveitava a estupenda narrativa da final (nem em Hollywood: lesionam o protagonista, trazem décadas de ressentimento e mágoa (Abel Xavier, Zidane, Platini...) de volta à superfície, e tem que ser o eterno patinho feio a devolver um pouco de dignidade ao país) para fazer não um dueto mas um power trio com o Ronaldo e o Éder. Punha-os a repetir as respectivas catchphrases ("Siiiiiiiiim!" e "Hoje é feriado, caralhooooooo!") umas vezes, samplava a coisa e transformava aquilo numa barulheira infernal.


Para quem gostarias de abrir um concerto?
Gostava de abrir para alguém cujo som fosse completamente diferente do meu. Bandas tipo Fell Voices, com aquela vitalidade, aquela vibe orgânica - nem microfones se usam, ao vivo - para criar um contraste engraçado com um tipo a cuspir .wavs de um laptop.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias de um dia actuar?
Toco onde me quiserem, mas, já que estamos numa de ‘desejos’, gostava de tocar algures em Buenos Aires. O espaço ou o sítio é indiferente, desde que seja em Buenos Aires. Assim podia lançar um disco ao vivo chamado ‘Aires live at Buenos Aires’. Melhor : "Aires en vivo en Buenos Aires".

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Pergunta complicada, por isso vou simplificar e enumerar os 3 melhores concertos que assisti em 2016 : Ben Frost no GNRation, Braga; Tim Hecker no Maria Matos; HHY & The Macumbas no Rescaldo, na Garagem da Culturgest. Três grandes concertos, mas lembro-me de outros muito bons que vi nos últimos tempos, como Full of Hell no Musicbox, Josh T. Pearson no mesmo sítio...

Que artista ou banda mais gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Ao longo dos anos tive a sorte de ver quase tudo o que queria ver - e que era realisticamente possível - mas ainda assim escaparam uns quantos nomes. O meu ‘eu’ adolescente gostaria de ter visto os Thursday, banda ponta de lança de uma cena que ainda é uma semi-influência para mim. O meu ‘eu’ ligeiramente mais velho gostava de ter visto Agalloch, Wolves in the Throne Room… Isto para não falar de cenários impossíveis, tipo Weakling (que pouco tocaram ao vivo), ou merdas obscuras que nunca saíram da garagem.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) que gostavas de ter estado presente?
Hmm… Nunca pensei nisso. Há vários concertos que gostava de reviver, mas a questão não é essa. Não sei, mesmo.

Qual o teu guilty pleasure musical?
Não tenho. Quando gosto, gosto, quando não gosto, não gosto. Não há culpa envolvida. Ainda há bocado ouvia o Masonna, a caminho do trabalho ouvi Ash Borer e para a hora de almoço tenho o mp3 carregado com uma playlist de The Whispers e B Fachada. Guilt-free.

Projectos para o futuro?
Tenho um disco prestes a ser lançado, um split com o João Catarino AKA Liminal, pela Genot Centre, e devo passar os próximos meses à volta disso. Quero tentar tocar ao vivo de vez em quando. E até ao fim do ano quero ter um novo disco pronto. Já tenho a coisa mais ou menos pronta na minha cabeça, só falta começar a ‘traduzir’ tudo de ideias para som, e começar a trabalhar na música em si. Quero ainda tentar pôr o Colectivo Casa Amarela a produzir mais e melhor, com regularidade.

Próximos concertos?
De momento não tenho nada marcado, nem como Aires nem para os outros projectos (Ulnar, Verãopop…). Mas espero ter novidades em breve… Espero tocar pelo menos 2 ou 3 vezes durante o verão.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
"Funeral Fog" de Mayhem. Mas só se estiver nevoeiro.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

A discografia de Aires está disponível para escuta e download através da plataforma Bandcamp. Relembramos que o seu mais recente álbum, Fantasma foi lançado no ano passado.

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