sexta-feira, 18 de maio de 2018

Conversas d'Ouvido com Delamotta

Entrevista com a banda setubalense DelaMotta, cuja sonoridade vai beber à fonte da tropicália, com relevos funk e jazz. Banda inicialmente composto pelos irmãos Gonçalo Mota (bateria, percussão) e João Mota (voz, guitarra), aos quais se juntou posteriormente B. Oliveira (baixo, teclas, voz de apoio) e Renato Sousa (guitarra, voz de apoio). Músicos com experiências prévias em projectos como Ash is a Robot, Monogono, Tio Rex e Um Corpo Estranho. Sob o criptónimo DelaMotta, lançaram recentemente o disco de estreia "La Ronda", que serviu de mote a esta edição das "Conversas d'Ouvido"...

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
João Mota: De muito novo. Acho que é uma coisa que chega a anteceder à memória, algo como respirar. Não sei bem onde começou, sei que não acaba.

Como surgiu o nome DelaMotta?
Mota é nome de família, o que por alguma razão me pareceu casar com a sonoridade das primeiras composições. A palavra Motta é de origem incerta, mas significa monte, neste caso a banda começa do que vem de um monte de canções compostas em duas semanas de retiro no campo. O meu irmão Gonçalo, o Bernardo e o Renato vieram compor os arranjos, mais tarde. Delamotta pareceu-me ser um nome simbólico para a estrutura desta família musical. Talvez remonte a alguma reminiscência da trilogia do Padrinho. Sou fã incondicional.
Delamotta - "La Ronda"
Editaram recentemente o disco de estreia “La Ronda”, para quem ainda não ouviu, o que podemos esperar? 
Sim, está disponível online desde 11 de Maio.
A edição física fica para um pouco mais tarde. 
"La Ronda" é um disco que tem a viagem como mote. Quer a física, ou geográfica, quer a filosófica. Aponta para o horizonte em todas as concepções que entendemos do ser humano. É algo que implica a ida e o regresso, com um certo apelo de liberdade incondicional e que não se sente confortável com fronteiras ou limites. Musicalmente foi também o caminho que decidimos tomar como conjunto. Deixar que as canções viajassem em nós e deixarmo-nos regressar nelas com alguma coisa de diferente e com sorte, melhor do que éramos.

Os DelaMotta apresentam uma sonoridade bem distinta de outros projectos, como Ash Is a Robot ou Um Corpo Estranho. Será que podemos citar Fernando Pessoa: “A minha arte é ser eu, eu sou muitos”?
Absolutamente verdadeira essa afirmação de Pessoa. Penso que sim, somos todos muitos. Temos muita coisa para dizer que é normal que fique de fora noutras representações de nós próprios. Cada planeta tem a sua atmosfera própria, ou cada língua o seu código. O Universo Delamotta não foge a essa regra e dentro dele, nós como pequenos satélites com lados com mais e menos luz. 

Como gostas de descrever o vosso estilo musical?
Na verdade não gosto, é algo que me parece atraiçoar a razão pela qual compomos canções. Não posso escolher uma coisa que à partida me limita como músico. Gosto de pensar que é universal, no sentido em que vive na eterna busca do que ainda não conhece usando os alicerces do que vai aprendendo. Tenho dificuldade em encaixar a nossa música num estilo. Talvez sinta a música mais como uma geografia ou vinda de uma referência temporal especifica. Neste disco namoramos a tropicalidade, o distante, o exótico como forma de compreendermos o chão que pisamos, ou a nossa amena mediterraneidade.

Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
Eu tenho várias e cada um de nós as suas. Mas diria até que a música é mais uma necessidade básica que uma paixão. Por vezes até uma doença crónica com a qual temos de aprender a conviver. Falamos sobre isto muitas vezes. Ficamos doentes se não podermos tocar.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
As mesmas que qualquer outra profissão/ocupação. No conjunto penso que nos focamos mais nas vantagens, no privilégio que é poder fazer música, de partilhá-la com os outros. Todos os contras inerentes são apenas pedras no caminho. Não podemos dizer que é fácil. Mas era mais difícil deixarmos de ser músicos. Podes tirar o homem do vício, mas não tiras o vício do homem.

Quais as vossas maiores influências musicais?
Diferem muito entre os quatro. Acho que posso arriscar que nos encontramos nos Beatles. Ouvimos de tudo e o que verte daí para a banda resulta nesta mistura que não dispenso.

Como preferem ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Ainda damos valor ao físico, a todo o artwork dos discos, ao grão de um vinil, a ler as letras em papel. Mas poder aceder a qualquer obra da história à rapidez de um click é um privilégio do nosso tempo. Com tudo de bom e de mal que isso acarreta. 
Mas no fundo prefiro o contacto o mais directo possível com a canção, de preferência ao vivo, à frente do músico. Tudo o resto não passa de um veículo material mais ou menos dispensável que te pode ou não seduzir para o que realmente é importante.

Qual o disco da vossa vida?
Respondo da mesma forma como quando me perguntam qual o tema que compus que gosto mais. Não poderia escolher um. É como escolher um filho. 
Cada um de nós tem vários discos de diferentes fases da nossa vida. 

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Gostei muito do “Domus” da Silvia Pérez Cruz, que já tem dois anos e “A Mulher do Fim Do Mundo” da Elza Soares, que já tem três. Tenho a tendência de chegar atrasado às novidades. Isto porque me demoro, anos por vezes, nos discos que me tocam.

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Descobri recentemente o trabalho do Luca Argel e sigo-o avidamente. Outro que toca muito cá em casa é o último da Fatoumata Diawara.

Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
Nenhuma que não termine numa boa gargalhada. Temos bastante sentido de humor dentro do grupo. Mesmo os piores momentos acabam em mote de piada. É preciso sabermos rir de nós próprios.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Nunca pensei muito nisso. Admiro muita gente na música, mas gosto de manter-me do lado oposto do meu altar pessoal. Respeito muito as canções e separo-as das pessoas que as compõem / interpretam. Neste disco convidámos uma cantora que está também a gravar o primeiro disco e que admiro muito para cantar o tema “Mesmo”. A Cátia soube tornar a canção dela também e tornou-a numa coisa melhor. Não a trocava por nenhuma das centenas de cantoras que admiro. Nem qualquer outra pessoa que convidámos para este disco.

Para quem gostarias de abrir um concerto?
Gosto muito e penso que falo pelo grupo, de tocar com outros artistas. Penso que torna a experiência mais enriquecedora. Sais sempre com algo de novo no fim do dia. Toda a troca de impressões nos bastidores. Conhecer o lado humano dos outros músicos antes do processo interno que tomam antes de subirem ao palco. Aprendo muito com isso e grande parte das vezes torno-me num fã da pessoa e da música. Mas não prefiro este ou aquele artista para o fazer. Interessa-me a troca. Teria o mesmo prazer em abrir para Tom Waits como teria em abrir para GNR.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Em casa gostaria de pisar o palco do Theatro Circo de Braga. Já o fiz anteriormente mas apenas a trabalhar nos bastidores. Adoro o espaço e a mística. Mas todos os palcos são especiais assim o sejam as pessoas que o compõem. 

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Não posso dizer que houve um melhor, mas muitos que nunca esqueci:
Bobby McFerrin, Benjamin Clementine, Nine Inch Nails, Fatoumata Diawara, Mão Morta…

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
A lista não cabe aqui. E é uma questão de melindre visto que a morte se tem passeado pela música a um ritmo vertiginoso nos últimos anos. Tivemos perdas de peso que não vou poder ver nesta vida. Temo até mencioná-los, não vá o diabo tecê-las.

Qual o concerto da história, pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido em que gostarias de ter estado presente?
Jeff Buckley em Paris, Zeca Afonso no Coliseu.

Tens algum guilty pleasure musical?
Não acho que tenha. Se gosto da música não me sinto culpado por isso. Mesmo a pastilha elástica tem a sua utilidade por vezes, temos de variar na dieta.

Projectos para o futuro?
 
Estamos no processo de lançamento do primeiro disco. Queremos levá-lo ao vivo e partilhar as canções como as sentimos melhor, a tocá-las em primeira mão. De resto, queremos continuar a fazer discos, a compor. Já começámos os primeiros passos para um segundo registo. É esperar pelo que dizem os oráculos.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Não consigo pensar em nenhuma. Mas deixo o convite para o diálogo. Podem deixar todas as questões, mesmo as mais delicadas, na nossa página.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Qualquer uma de Zeca Afonso.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Qualquer coisa simples que não tenha origem na liturgia católica. Ainda levamos a morte muito a sério, isso aborrece-me um pouco. 

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Nós é que agradecemos! Forte Abraço!


Ficamos agora ao som dos Delamotta e do disco de estreia "La Ronda", que encontra disponível para escuta através da plataforma Bandcamp.

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