segunda-feira, 30 de julho de 2018

Conversas d'Ouvido com Sun Blossoms

Entrevista com Sun Blossoms, projecto do músico Alexandre Fernandes, que nos convida a embarcar no noise rock, para uma alucinante viagem solar por caminhos psicadélicos e relevos de uma estética lo-fi. Influenciado pela música e cultura nipónica, mas também por nomes como Nirvana, Sonic Youth e The Velvet Underground. Recentemente editou o EP "Cruising" e ainda este ano planeia o lançamento do aguardado disco de estreia, por enquanto entra directamente na nossa sala de estar para mais uma edição das "Conversas d'Ouvido"...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Sun Blossoms: O primeiro marco para mim foi o meu irmão mais velho ter-me mostrado Nirvana quando eu tinha cinco anos. Lembro-me de a minha mãe sair de casa e o meu irmão pôr Nirvana com o volume no máximo nas colunas e nós andarmos a saltar de um lado para o outro na casa como se estivéssemos mesmo num concerto deles. Até me lembro de fazer desenhos do Kurt a lápis de cera na pré-primária. Foi a primeira banda ou artista que admirei tanto pela música como pela personagem que criei à volta daqueles três gajos que via nos vídeos.
Desde aí sempre me interessei muito por música mas acho que foi aos 12 quando descobri a onda de rock mais garage e DIY que estava a aparecer na altura, bandas como os Black Lips, Thee Oh Sees, Ty Segall, Sic Alps, é que comecei a ver a música como uma coisa que eu também podia fazer e a partir daí a relação tornou-se diferente.

Como surgiu o nome Sun Blossoms? É um alter-ego?
Não é um alter-ego. Sempre senti uma grande afinidade ao sol, talvez por ter nascido no verão, não sei. Quando comecei a escrever as canções que eventualmente deram origem ao projeto senti que o sol era uma inspiração recorrente e que o projeto acabava por ser um produto dessa minha afinidade ao sol. Vem daí o nome. Acho que hoje em dia já não faço música tão “solarenga” mas ainda gosto do nome.
Sun Blossoms - "Cruising"
O teu mais recente EP conta com algumas participações como Chinaskee e Primeira Dama, gostas de abrir o teu universo criativo, ou estavas cansado de estar sozinho (risos)?
Sempre estive aberto a ter mais pessoal a participar no projeto, principalmente quando são meus amigos. A primeira cassete quando a gravei tinha uns 16 anos e na altura ainda não conhecia pessoal que tocasse e que eu sentisse que estivesse na mesma onda, musicalmente falando, que eu. Foi mais por isso que comecei o projeto sozinho. Desde aí toco sempre ao vivo com banda e tudo o que gravei teve participações. Neste EP "Cruising" tive a ajuda do Chinaskee na gravação e produção porque acho que todos os discos que ele gravou soam bem. O Luís Barros que toca bateria na banda ao vivo já há algum tempo também gravou as baterias deste EP. A participação do Manel na verdade nem foi planeada, eu e o Chinaskee fomos para o estúdio gravar à noite e o Manel também estava a ensaiar Primeira Dama no estúdio dele e veio ouvir as músicas e dar umas opiniões. Eu tinha tido umas ideias para coros e pedi-lhe para fazer.
Entretanto já gravámos o que eu considero o nosso primeiro álbum a sério”, e foi gravado num setting live no estúdio da Spring Toast Records com o pessoal que me tem acompanhado nos concertos nos últimos tempos, o Alexandre Rendeiro e o Luís Barros, com quem também toco em Alek Rein e os dois também fazem parte da banda do Filipe Sambado. Eu acabo por lhes apresentar as músicas geralmente num estado de desenvolvimento já avançado mas gosto muito da ajuda que eles me dão a elevar as canções e a filtrar as boas ideias das más.

Quais as tuas maiores influências musicais?
Ao longo do tempo vou sempre descobrindo bandas que me deixam entusiasmado. Se estivermos a falar de bandas que me influenciam diretamente em Sun Blossoms alguns nomes que são incontornáveis para mim são por exemplo os Nirvana, Sonic Youth, Velvet Underground e uma série de bandas noise japonesas como os Les Rallizes Dénudés, Fushitsusha, White Heaven ou Mainliner que me mantiveram interessado no rock quando não havia muito mais a puxar por mim.

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Não gosto de o descrever! Um dos meus interesses com este projeto é tentar promover o encontro da canção com a exploração sónica.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Desde muito pequeno que quero fazer música por isso acabou por ser sempre a minha grande paixão isolada. O meu amor pela música estende-se a todos os ramos da arte, que acabam por estar sempre interligados. Desde pequeno que gosto de andar de skate mas não compararia as duas paixões sequer.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Uma vantagem é poder ir tocar e visitar sítios onde provavelmente não irias de outra forma.
Uma desvantagem é que acabas por querer fazer da música a tua ocupação principal e profissional e isso já é mais complicado.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Praticamente só oiço música no computador mas a cassete pela sua peculiaridade e acessibilidade é um formato que gosto muito.

Qual o disco da tua vida?
Não consigo escolher. Pensei muito sobre esta pergunta mas todas as respostas que surgiram pareceram-me ingratas quando pensava noutro disco. Ainda por cima só tenho 20 anos e ainda é difícil colocar-me em vista aérea e tentar perceber que álbum teve mais impacto em mim.
No entanto posso mencionar alguns:
O "White Light/White Heat" e o "VU" dos Velvet Underground foram dois que me surgiram logo. São o segundo e o terceiro álbum deles mas no entanto são, para mim, respetivamente o álbum mais caótico e selvagem e o álbum mais doce da banda. Adoro essa dualidade. Toda a gente fala do primeiro álbum deles e eu gosto muito dos primeiros 4 álbuns mas acho que os dois que mencionei são os meus preferidos.
Outro álbum importante é o primeiro dos Bad Brains. São uma das minhas bandas punk preferidas e o facto de juntarem nos seus álbuns e concertos canções punk e canções reggae/dub ainda faz com que goste mais deles, são dois movimentos que me são especiais. Nos concertos tocavam 3 ou 4 músicas de um minuto sempre a abrir e depois tocavam uma lenta de 4 minutos... Combinação perfeita!

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
O último álbum dos Yura Yura Teikoku, que se chama "Hollow Me/Beautiful" e saiu em 2007. Uma abordagem refrescante à música de guitarras e ao rock psicadélico. O vocalista da banda toca agora a solo e acho que na Europa até é mais conhecido que a banda. É o Shintaro Sakamoto.
O "Eye Contact" dos Gang Gang Dance também tem passado muitas vezes por cá.

Qual a tua mais recente descoberta musical?
Nos últimos tempos tenho estado mais a revisitar bandas que já conheço mas estes dias estive a ouvir o "Zen Arcade" dos Hüsker Dü e o primeiro dos The Fall.
Maior parte da minha pesquisa musical no último ano e meio é andar na internet a ouvir singles de dub e reggae que nunca ouvi. Passas por uns 20 ou 30 artistas diferentes numas horas.
Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Confesso que a minha memória não é a melhor mas não me estou a conseguir lembrar de nada realmente embaraçoso. Lembro-me de um concerto logo ao início em que o rapaz que tocava bateria na altura acordou muito mal dos intestinos e não foi tocar e tivemos de safar o concerto comigo na voz e guitarra e o rapaz que tocava baixo passou para a bateria. Nunca tínhamos ensaiado assim e como é óbvio correu muito mal.
Não gosto da ideia de achar que durante os concertos sou intocável ou que estou num nível superior ao das pessoas que me estão a ver por isso os erros ou momentos engraçados não me embaraçam.
Os pedidos dos técnicos de som para baixarmos os amplificadores durante os concertos já são tradição. Uma vez disseram-me que durante um concerto nosso na ZDB um rapaz começou a sangrar dos ouvidos e eu quero acreditar que é verdade.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Adorava dar concertos experimentais com o Keiji Haino, que além de tocar a solo também toca em Fushitsusha e em Nazoranai. Desde que comecei a ouvir Fushitsusha tem-se tornado no meu guitarrista preferido.
Também pensei no Lee “Scratch” Perry, que é dos produtores mais lendários do dub. Imagino-me nos 70's em Kingston a ser baixista de sessão no estúdio dele. Alto sol a bater lá o dia todo e uma névoa de fumo de erva constante.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Sinceramente não consigo pensar num local ou festival em específico onde adoraria tocar, as salas de concertos vão aparecendo e desaparecendo e as minhas ambições vão muito além disso.
Gostava de tocar no Japão, acho que por algumas das minhas respostas anteriores era fácil adivinhar que ia dizer isto. New York também seria um sítio especial por toda a história musical.
Em Portugal acho muito estranho ainda não ter tocado em nenhuma sala no Porto e gostava de mudar isso brevemente. É dos poucos sítios onde ainda não toquei.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Lightning Bolt, Tomorrows Tulips, White Fence, Thee Oh Sees e The Cure foram alguns dos que tiveram o maior impacto em mim e tenho a certeza que me estou a esquecer de algum que deveria estar na lista. A tocar com Alek Rein abrimos o concerto do Thurston Moore em Guimarães e também foi um dia muito especial.
No entanto o momento que mais me marcou foi ver Black Lips na Caixa Económica Operária quando tinha 12 anos. Eram a minha banda preferida na altura e quando chego lá vou falar com os membros da banda e eles adoraram-me por ser tão pequeno e estar ali a vê-los. Ofereceram-me um vinil deles assinado pela banda toda e durante o concerto ainda me deram o microfone para cantar uma música com eles no palco. Vai ficar para sempre gravado na minha cabeça esse momento.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
De bandas que ainda tocam a primeira que pensei foi nos My Bloody Valentine por toda a experiência que deve ser o concerto.
Qualquer projeto do Keiji Haino também seria muito bem vindo.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Uma noite de concertos no início dos 80's com Bad Brains e Black Flag tinha sido épico.
Jimi Hendrix ou Bob Marley também estão lá em cima na lista. Ou Spacemen 3. Ou os Les Rallizes Dénudés.
O Alex (Alek Rein) fala-me montes de vezes sobre um concerto dos Destruction Unit na ZDB que durou 20 minutos, também curtia de ter visto esse.

Tens algum guilty pleasure musical?
A "Human Nature" do Michael Jackson é grande som.

Projectos para o futuro?
Temos este último EP para promover, lançámos em cassete pela Spring Toast e vai estar à venda nos nossos concertos e na net. O próximo concerto que temos marcado é na ZDB (se ainda não repararam a ZDB é o meu espaço preferido de Lisboa) com No Age, uma das bandas do movimento DIY que me despertou vontade de começar a fazer música também quando tinha uns 12 anos. 
O nosso primeiro álbum só precisa de ser misturado para estar pronto e deve sair ainda este ano. Sinceramente acho que são as melhores músicas que já escrevi e estou muito ansioso que saia. 

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
Nunca falei do meu filme preferido, por exemplo. Tenho uma obsessão pelos filmes do Akira Kurosawa e um dos meus preferidos é o "Rashomon". Fala sobre a verdade e como as perspetivas a podem influenciar. Inspirou-me numa letra que fiz recentemente. Visualmente também me sinto muito atraído pelos filmes do Kurosawa.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Não é uma coisa que já tenha pensado ou que deseje realmente mas gostava de ter escrito a "Hallogallo" dos Neu! porque parece-me muito fun de tocar.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Como vou estar morto e os mortos não ouvem música é-me completamente indiferente. Os vivos que escolham, já que deram o seu tempo e atenção para estar ali a celebrar a minha vida. Confio no gosto musical dos meus amigos. 

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Obrigado!

Antes de nos despedirmos, ficamos ao som do EP "Cruising", editado no mês passado e que se encontra disponível para escuta e download, através da plataforma Bandcamp.

Sem comentários:

Enviar um comentário