quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Conversas d'Ouvido com Lindberg Hotel

Entrevista com Lindberg Hotel, projecto do músico brasileiro, Claudio Romanichen. Cantor e compositor proveniente de Curitiba, Paraná A sua sonoridade vagueia pela pop psicadélica e entre as suas maiores influências encontramos nomes como The Beatles, My Bloody Valentine, Yo La Tengo e The Jesus & Mary Chain. Estreou-se em 2014 com álbum homónimo este ano regressou à edições discográficas com "Bedroom Tripping", que serviu de mote a esta edição das "Conversas d'Ouvido"...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Lindberg Hotel: Música é algo que sempre esteve presente em minha casa. Meus pais gostavam muito dos artistas brasileiros dos anos 60 e 70, mas não eram grandes conhecedores. Já o rock surgiu para mim com Kiss, quando eles vieram ao Brasil pela primeira vez em 1983. Eu tinha 9 anos e a banda virou uma febre por aqui. Um colega de escola tinha um irmão já adolescente que ouvia e acabei conhecendo mais por meio dele. Mas só fui aprender a tocar violão aos 14 anos de idade e assim que comecei a ter um domínio maior do instrumento, descobri que melhor do que tocar as músicas de outros artistas era fazer as minhas próprias.

Com surgiu o nome Lindberg Hotel?
Eu gosto muito dos filmes do Wes Anderson, em especial "Rushmore" e "The Royal Tenenbaums". Eu queria um nome que tivesse alguma ligação com o universo desse diretor e no Tenenbaums, o hotel onde o protagonista vive chama-se Lindbergh Palace Hotel. Como eu queria usar o nome, mas não queria problemas, mudei um pouquinho a grafia.
Lindberg Hotel - "Bedroom Tripping"
Editaste este ano o disco “Bedroom Tripping”, para quem ainda não ouviu o que podemos esperar?
É um disco que tem uma base que lembra o som shoegaze dos discos anteriores, mas que apresenta arranjos bem mais ricos em timbres e texturas característicos de bandas psicodélicas dos anos 60 e de certa forma, as do começo dos anos 90 também. Quando eu estava gravando imaginei que era como se fosse uma banda bem grande, com piano, trumpete, tímpanos, vibrafone, percussões, cítaras, synths... Acho que para o ouvinte é interessante também porque as músicas não se parecem muito entre si, elas apontam para muitas direções diferentes. Além disso, é um disco que, apesar de ter sido todo feito num esquema lo-fi, totalmente gravado, mixado e masterizado em casa, tem uma sonoridade que não soa tão artesanal.

Bedroom Tripping”, foi um disco gravado entre 2015 e 2018, o processo foi longo, porque surgiram dúvidas, ou tinhas uma ideia clara do que querias e demorou a atingir o que ambicionavas?
Boa pergunta. Eu sabia o que queria e demorei para chegar ao ponto, mas também aconteceu de eu ter algumas questões pessoais que interferiram no processo. O Brasil passa por uma crise política e econômica assustadora e eu fiquei um período longo sem trabalho e nesse tempo eu simplesmente quase não conseguia mexer no disco – tive um bloqueio. Junto a isso, eu e minha esposa tivemos perdas importantes na família num tempo bem curto. Quando as coisas começaram a se acalmar e eu já tinha tudo gravado, comecei a editar e essa é uma etapa que demora muito. Como eu faço tudo sozinho, inclusive gravar todos os instrumentos, eu monto os arranjos fazendo jams comigo mesmo. Eu escolho os instrumentos e timbres que quero na música e depois tiro tudo o que não gosto e aí vou montando o arranjo com o que mais me agradou. O disco é como a imagem da capa: uma grande colagem.

Quais as tuas maiores influências musicais?
Inicialmente eram bandas como Jesus & Mary Chain, Stone Roses, My Bloody Valentine, Teenage Fanclub, Pixies, The Smiths, Flaming Lips, Yo La Tengo, Primal Scream… e coisas dos anos 60, principalmente Beatles, Velvet Underground, Byrds, Kinks e Beach Boys. Mas há alguns anos descobri música brasileira e me aprofundei nos caras da Tropicália, da bossa nova, do samba... o disco “Tam... Tam... Tam...!”, do maestro José Prates é impressionante e também jazz (pirei muito com o “Bitches Brew” do Miles Davis), além de sons africanos como Fela Kuti e Mulatu Astatke.

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Eu acho que é um pop psicodélico, o que é bem amplo, mas ao mesmo tempo, já deixa claro que é algo acessível, porém com elementos específicos que quem gosta de música psicodélica imediatamente vai identificar. E lo-fi, pelo modo como gravo minhas músicas, num esquema totalmente “faça você mesmo”. Mas lo-fi é um jeito de fazer, não um estilo.

Conheces alguma coisa da música portuguesa?
Infelizmente não e fico envergonhado disso. Possivelmente porque, diferentemente do que ocorre entre a Inglaterra e os Estados Unidos, onde há um intercâmbio musical muito forte, a música portuguesa não é difundida entre nós brasileiros. Madredeus fez algum sucesso um tempo por aqui por conta de uma novela ou série de TV. Mas aceito dicas! 
Sei que há uma penetração da música brasileira em Portugal, mas também sei que isso ocorre principalmente com artistas com maior projeção aqui no Brasil. Mas acho legal que no Ouvido Alternativo site haja notícias sobre os Boogarins, por exemplo, porque fazem um som legal e não são uma banda do mainstream.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Eu gosto demais de literatura e de cinema, em especial cinema humanista. Não me interesso por blockbusters ou filmes de super-heróis. Há cerca de dois anos comecei a fazer colagens abstratas – inclusive comecei a fazê-las numa tentativa de conseguir uma imagem para a capa do disco, e felizmente deu certo, gosto muito desta capa. Eu sempre quis fazer algo em artes visuais e a colagem é uma saída que me deixa feliz.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Eu não tenho exatamente uma vida de músico, pois não tiro qualquer benefício financeiro dela. Tenho um emprego em horário comercial para pagar minhas contas. Mas tenho uma relação especial com a música. Brinco que ela é meu céu e meu inferno, porque amo ouvir e fazer música, mas é também um trabalho difícil e com o qual, quando não se tem meios – como é o meu caso, pode ser cansativo e até frustrante.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Não tenho uma preferência. Tenhos muitos CDs e vinis. Doei todas as minhas fitas K-7 (apesar de me divertir fazendo minhas coletâneas pessoais). O que ocorre é meio que me cansei de juntar objetos com os quais tenho pouco tempo de curtir, então acabei optando pelo streaming pela praticidade e mobilidade. Não sou um audiófilo purista que tem de ouvir a edição original de um vinil. Mas não tenho nada contra quem o é e o faz.

Qual o disco da tua vida?
Eu tenho alguns discos da vida, mas eu ouso dizer que o disco que eu persegui em meu som por muito tempo foi o “Bandwagonesque”, do Teenage Fanclub. Quando eu ouvi aquelas melodias bonitas e as guitarras cruas fiquei encantado. Outro disco que gosto demais é o “Pet Sounds”, dos Beach Boys, porque é um patamar alto até hoje e quando ouvi pela primeira vez me fez querer um dia fazer algo que chegasse perto daquilo. Na música brasileira tem vários discos incríveis como o “Os Afro-sambas”, ou o “Tábua de Esmeralda” do Jorge Benque eu adoro, mas eu acho que aqueles dois primeiros são os que mais me infuenciaram tanto no gosto musical como para fazer música.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Foi um disco de 1966 chamado “Os Afro-sambas”, de um violonista chamado Baden Powell e do poeta e compositor Vinicius de Moraes. Eles estudaram os ritmos e a poesia de cantos africanos e do candomblé (uma das religiões afro-brasileiras) e a partir disso compuseram as canções. É um disco irretocável, lindíssimo e rico em ritmos, poesia e melodia.
Qual a tua mais recente descoberta musical?
Um trio do Texas chamado Khruangbin, que tocam um funk psicodélico instrumental muito bom, moderno e ao mesmo tempo soa como sons de funk psicodélico oriental. Eu recentemente tenho ouvido krautrock, descobri uma banda chamada Harmonia, que gravou um disco junto com o Brian Eno em 1976 chamado “Tracks and Traces”. Aliás o Eno era tão fã que foi atrás deles pra gravar o disco, porque ele não era da banda. E uns temas para piano do John Cage, e coisas da Joanna Brouk, uma precursora de som new age, que fazia umas coisas bem bonitas, meio de vanguarda, super elegantes.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Eu fiz poucos shows e felizmente não me lembro de ter vivido alguma situação particularmente complicada.

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Essa pergunta é muito boa e difícil de responder. Eu colocaria numa lista o Paul McCartney por razões óbvias, o Fela Kuti por não ser um cara óbvio (devia ser uma experiência e tanto tocar naquela banda) e os Flaming Lips, porque me parece que fazer um som com o Wayne Coyne seria muito divertido. 

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Adoraria gravar um programa no estúdio da KEXP de Seattle.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Fico entre o do Morrissey, aqui em minha cidade (Curitiba) em 2000, o do João Gilberto (acho que foi em 2002), um do Teenage Fanclub e um do Brian Wilson em 2004, e um do Yo La Tengo em 2014, no Rio de Janeiro. Possivelmente estou deixando coisas de fora e eu nunca consigo falar apenas um. (risos)

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
My Bloody Valentine, The Cure e Mulatu Astatke.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Algum show dos Rolling Stones na turnê do "Exile On Main Street" ou algum do Fela Kuti.

Tens algum guilty pleasure musical?
Tem algumas coisas do rock brasileiro dos anos 80 e Kiss até a época do "Creatures Of The Night". 

Projectos para o futuro?
Estou começando a trabalhar com temas instrumentais totalmente diferentes do que fiz até agora, mais focados em ritmo, usando mais elementos de música eletrônica e com o maior número possível de recursos que não usei ainda. E sob um nome diferente: ou seja, não será o som do Lindberg Hotel. Talvez eu tenha ficado tempo demais trabalhando nesse disco e agora quero me divertir de novos jeitos.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
Vou sair pela tangente: eu na verdade gostaria de poder viver de música para ter experiências o suficiente para ter algo realmente interessante a ser perguntado. Eu gosto muito de listas, mas aí eu ficaria aqui horas respondendo! (risos)

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Vagabundo não é Fácil”, dos Novos Baianos, “Yegelle Tezeta”, do Mulatu Astatke, “Dear Prudence” dos Beatles e “Moonlight Mile” dos Rolling Stones.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
São três: “I Just Wasn’t Made For These Times”, dos Beach Boys; “The Concept”, do Teenage Fanclub, e “Preciso Me Encontrar”, do Cartola.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Antes de terminarmos, ficamos ao som do mais recente disco "Bedroom Tripping", que se encontra disponível para escuta e download, através da plataforma Bandcamp.

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