quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Conversas d'Ouvido com Firgun

Entrevista com Firgun, projecto do músico Lécio Dias, singer-songwriter proveniente de Santa Maria da Feira. Assume-se como um compositor de canções de amor e ódio, mas fundamentalmente canções com alma. No ano passado lançou o seu primeiro EP "Lotus...", que o transportou directamente até esta edição das "Conversas d'Ouvido"...

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Firgun: Eu (ainda miúdo) tive a sorte de formar-me em contrabaixo clássico (no Conservatório de música de Fornos, até ao 5.º grau); lá, tive a oportunidade de privar com alguns professores que complementaram (imensamente) a minha sede musical ao apresentarem-me projetos interessantes e ensinando a cultura “pop” da música; lembro-me de ouvir Pink Floyd (pela primeira vez) com um professor meu. Apesar disto, o meu gosto pela música sempre esteve presente (desde criança); a primeira memória que tenho (associada à música) é a de tocar “ferrinhos” na pré-escola! A formação clássica veio fortalecer a minha paixão; é de destacar que (na minha família) não há uma relação muito forte com a música, menos da parte de um tio materno, Nuno. Ele educou-me quanto à importância de ser um ouvinte astuto e polivalente, apresentando-me imensos artistas e bandas, e conduzindo-me à adolescência como a minha maior influência pessoal (enquanto produtor de hip- hop e metal, como também enquanto educador atencioso e paciente que se dedicava a ouvir-me e a aguçar o meu interesse musical).

Como surgiu o nome Firgun? Podemos encará-lo como um alter-ego?
Aquando da leitura de um poema, deparei-me com a palavra “Firgun”; Este é um termo moderno (pertencente ao hebraico) e com conceito relevante na cultura israelita. Caracteriza-se por ser o sentimento genuíno e puro de orgulho e satisfação pelo sucesso (ou conquista) de outra pessoa. Durante muito tempo olhei para o nome “Firgun” apenas como um pseudónimo; com o passar do tempo cheguei a uma conclusão; quem me conhece intimamente bem, descreve-me (mais facilmente) pela pessoa que caracteriza o “Firgun” e só depois pela pessoa que caracteriza o “Lécio”. Enquanto “Firgun”, não vejo necessidade em condicionar a minha atuação ou reprimir o meu pensamento; assim como quando estou com os meus amigos mais próximos; talvez seja isso que me leva a vislumbrar “Firgun” como o meu alter-ego protegido, sincero e inocente, perante o “Lécio” que teve (e tem) que vivenciar todas as negatividades mundanas por viver numa sociedade moderna, estando mais exposto a tal; este é também um nome em tributo a uma pessoa que me marcou (e continua a marcar imenso), com quem nunca tive a oportunidade de viver algo mais.

Assumes-te um compositor de canções de amor e ódio, ambos os sentimentos estão tão distantes e tão próximos?
Amar e ser amado; odiar e ser odiado; todos nós já experienciámos estas questões. Todo o extremo é um vício imaturo, mas natural; assim sendo, ainda que os conceitos de amor e ódio sejam distintos, há uma conexão sensível entre ambos. É engraçado como podemos investir anos numa relação, amando (modestamente) a pessoa com quem partilhamos vida e de repente, tudo se transfigura para angústia e raiva, após uma sucessão de factos. Assim, esta escolha entre “amor e ódio” veio da presença de uma pessoa muito específica (a qual não odeio, certamente!), que me disse inúmeras vezes o seguinte: “É fácil odiar-te, ainda que te ame”. E isto vem reforçar muito o valor que damos a estas palavras; o amor e o ódio têm vindo a sofrer transfigurações e variações no mundo atua, mas não deixa de se traduzir na mesma reacção física e psicológica que todos temos. Sinceramente, amo mais do que aquilo que odeio, mas chego a acreditar que odeio amar (ainda que não seja verdade).

Parece-nos que Santa Maria da Feira é uma cidade, muito virada para as artes, podes confirmar, ou é só impressão nossa? 
Sim, é verdade; devo dar mérito ao trabalho que tem sido feito (a nível artístico) em Santa Maria da Feira, como meio de aposta e divulgação da modernidade da cidade. É importante destacar o facto de que inúmeras bandas de enorme qualidade (para a música portuguesa) surgiram em Santa Maria da Feira. Outro destaque importante é o evento “Imaginarius” com entrada gratuita e com uma valorização detalhada para inúmeros artistas de rua. Acima disto, também é importante apresentar alguns projetos musicais (crescentes) com origem feirense, como os The Grind Fever (destaque para o seu “Cave Transmission”) e o trabalho do Francisco Oliveira (com o seu fantástico "On The Act Of Reminding"). Apesar de todo o talento presente na minha cidade, é importante destacar a falta de aposta em projectos inovadores e promissores (pelas entidades competentes).
Firgun - "Lotus..."
Quais a tuas maiores influências musicais?
Sou um melómano; assim sendo, será muito difícil apresentar todas as minhas grandes influências, mas posso apresentar as derradeiras: The Cure, Joy Division, The Beatles, Jeff Bluckey, The Smiths, The Doors e Nina Simone.

Como gostas de descrever o teu estilo musical? 
Não me considerando um cantautor, serei capaz de definir o meu estilo como Indie pop com variações em rock alternativo, blues, jazz, soul, folk, rock psicadélico, bossa nova e música do mundo. Orgulho-me de desenvolver o meu trabalho num “melting pot” de estilos.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Artes plásticas, poesia (e literatura no geral), fotografia e futsal (tento relacionar-me com todas o máximo possível).

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
Ser-se músico é uma experiência incrível; principalmente se tivermos em consideração as pessoas que vamos conhecendo. Tive a oportunidade de conhecer pessoas fantásticas (ao longo do tempo); também tive a oportunidade de conhecer artistas (portugueses) que me influenciaram (mas nem sempre foi bom conhecê-los).
Acredito que essa seja a maior vantagem. A maior desvantagem (a meu ver e sabendo que não acontece com todos os músicos) é a frustração. Vivemos num contexto social em que a ambição "autodeterminada" consome muito do nosso imaginário (expectável); e isso não é diferente para um músico (...) a expectativa em ser-se compreendido, em tocar ao vivo em inúmeros concertos, em rentabilizar o seu investimento, em gravar um álbum, em conquistar público, etc (...) leva-nos a vivenciar sentimentos profundos (e vontades contrárias à verdadeira. "Quantos grandes músicos não vão a lado nenhum?". Gerir a expectativa e lidar com a frustração (porque estão relacionados) serão (a meu ver) as grandes desvantagens da vida de um músico.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Vinil; não há melhor maneira de reproduzir música (tu não ouves o som do vinil; tu sentes o som do vinil); ainda assim, compro muitos Cds e uso imenso o serviço de streaming (principalmente, se pretender prestar atenção detalhada à obra).

Qual o disco da tua vida?
The Cure – “Pornogaphy” de 1982já o é desde os meus 14 anos; cresci a deprimir ao som infeliz desta relíquia.

Qual o último disco que te deixou maravilhado? 
Anna von Hausswolff – “Dead Magic” de 2018; sem sombra de dúvidas.

Qual a tua mais recente descoberta musical? 
Craft Spells (aconselho vivamente o álbum “Nausea” de 2014); é engraçado como descobri o trabalho deles (...) tudo porque (um dia) decidi procurar temas com o nome igual a um tema meu “Komorebi” e curiosamente, eles têm um tema com o mesmo nome (e é o meu favorito desse mesmo álbum!)

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto? 
Já dei dezenas de concertos (e com 20 anos, considero-me um felizardo pelas oportunidades que tive), mas há um concerto que não me sai da memória e honestamente, não há dia em que não suba ao palco sem pensar naquele momento. Um microfestival no Porto; favor a um amigo; fui tocar para público universitário (estudantes de artes várias). Foi o último concerto que dei em acústico. Lembro- me de um grupo de estudantes espanhóis que experienciou crítica negativa ao longo de todo o meu concerto (não escondendo as gargalhadas). Aquando de uma playlist mais íntima, fui convidado a sair do palco. Única vez que me aconteceu algo assim; Nunca me senti tão envergonhado ao arrumar o meu equipamento; “meti a violinha no saco” e fui embora. Gostaria também de deixar um momento mais cómico (no Porto), numa tour com amigos (incluindo o João Ferro e o Bruno Silva); paragem num bar numa rua escondida, perto da Reitoria; além de não termos condições técnicas para tocar, apareceu uma rapariga completamente “high”. Chegou à altura do meu concerto e esta começou a berrar ao microfone e a tentar beijar-me e lamber-me, agredindo verbalmente quem se aproximasse dela! (terá sido a groupie mais estranha que encontrei? Certamente!)
Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Dentro de território português; Manel Cruz (Ornatos); Internacionalmente; Justin Vernon (Bon Iver).

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Nacional; Paredes de Coura e gostaria (mesmo) de apresentar um concerto em nome próprio num coliseu (apesar de já ficar bastante contente com um convite para um concerto em nome próprio no Cineteatro António Lamoso em Santa Maria da Feira). Internacional; Coachella!!!

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Equations - (2016) "Party, Sleep, Repeat", em São João da Madeira no Oliva Creative Factory.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Portugal; tenho uma curiosidade enorme em assistir a um concerto de The Parkinsons Conan Osiris; Internacional; posso mencionar The CureBon IverNew OrderJames BlakeThom YorkeÓlafur ArnaldsYann Tiersen Fidlar!!!

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Empate ténico entre o mítico concerto dos The Doors no Hollywood Bowl (a 5 de Julho de 1968) e o concerto de apenas 17 minutos dos Queen (em Julho de 1985, Live Aid, Wembley).

Tens algum guilty pleasure musical?
Lil Peep – “Star Shopping”.

Projectos para o futuro?
Enquanto não tenho capacidade para custear a gravação de um longa duração, estou a trabalhar no sentido de lançar (ainda em 2019), dois EPs; “Gato Bravo” – em português e “Magnolia” – em inglês. As músicas estão compostas e os arranjos concluídos; só falta mesmo a oportunidade (e o capital) para me “esconder” num estúdio. Há também expectativas num EP em colaboração com o P. Soul.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
Os teus temas parecem traduzir uma história interligada; é verdade? Sim, plenamente! Cada tema meu encaixa-se num contexto próprio que vou desenhando ao longo do tempo; tenho a vontade de deixar uma longa recordação e um interesse futuro em ser compreendido; ainda que não cante apenas sobre as minhas vivências, interpreto o papel de “espectador” em todos os temas; é essa mesma imagem que pretendo transmitir ao público para, mais tarde, ser recordado por ter sido sortudo o suficiente para que ouvissem o que sempre quis dizer. A história começa na “Better Man.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti? 
Há inúmeros temas que invejo; honestamente (e porque sinto que ele não acredita mesmo quando o afirmo), adoraria ter composto um tema intitulado “Lost”, por mão do meu amigo João Ferro; o tema traduzir-me-ia (caso eu fosse um estado de espírito); é um tema ao qual dedicaria uma maravilhosa orquestração e uma masterização dimensional (3D).

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Acção; pelo Sr. Carlos Paredes.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Por fim apresentamos o mais recente EP "Lotus...", que se encontra disponível para escuta e download através da plataforma Bandcamp.

Sem comentários:

Enviar um comentário