quinta-feira, 16 de maio de 2019

Conversas d'Ouvido com Alen Tagus

Entrevista com Alen Tagus, projecto que estabelece uma ponte aérea entre Portugal e França. Duo franco-português imaginado entre Sines e Paris, composto pela artista francesa Pamela Hute e pelo pianista e compositor  português Charlie Mancini. Juntos apresentam-nos uma indie pop, melodiosa, que nos faz sonhar com paisagens cinematográficas. Desta relação musical irá resultar o EP, "Paris, Sines", com edição prevista para o próximo dia 17 de Maio. Antecipando este lançamento, Alen Tagus é o mais recente nome a passar pelas "Conversas d'Ouvido"...

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Charlie (C): Desde tenra idade que houve sempre muita música em casa. Os meus pais sempre cantaram (sobretudo cante alentejano), mas também cresci muito com a colecção de discos de vinil do meu tio em Beja numa onda muito progressiva (Genesis, Pink Floyd, YES, Fleetwood Mac, ZZ Top, Bowie, Queen). Lembro-me de passar horas a fio a ouvir esses discos e a beber todo o grafismo dos álbuns. Eram viagens incríveis!!! Aos 6 anos entrei num Instituto em Setúbal para aprender órgão e depois passei para o piano poucos anos depois até aos 16 anos (Conservatório).
O meu primeiro concerto foi Trovante ao vivo na Praça do Bocage. Posso afirmar que a paixão pela música surgiu bastante cedo com a minha mãe a cantar-me canções de embalar no berço. 
Pamela (P): Eu fui uma criança solitária porque não tinha irmãos nem irmãs por isso suponho que tive que aprender a estar ocupada sozinha. Eu desenhava imenso e comecei a gravar coisas na aparelhagem do meu pai (programas de rádio e depois música). Passava horas a cantar em cima dos discos que eu gostava. Queria ser uma baterista, estava sempre a bater em coisas como caixas, panelas e tinha um fascínio por padrões rítmicos… mas graças a Deus que os meus pais compraram-me uma guitarra no Natal quando eu tinha 12 anos. Depois da primeira lição aprendi a tocar o acorde de Mi Maior e escrevi a minha primeira canção. 

Como surgiu o nome Alen Tagus?
P: O Charlie explica melhor mas foi rápido, encontrarmos esse nome. Gostámos muito do facto de que soa quase como se fosse o nome de alguém na língua inglesa. 
C: Sim. Lembro-me de jogarmos alguns nomes ao ar (não literalmente mas via messenger) e a Pam ter-me perguntado qual era o nome da região onde vivo e eu respondi-lhe: Alentejo. Então daí até Alen Tagus foi um fininho: Além do Tejo… Tejo em inglês traduz-se por Tagus e ficou Alen Tagus. Algo que soa bem e é eficaz, na nossa opinião. 
Quando foi “construída a vossa ponte aérea” entre Portugal e França?
P: O Charlie descobriu-me na net e contactou-me dizendo que gostava imenso da minha voz e que devíamos experimentar gravar a voz e outros instrumentos numa das minhas gravações a que chamamos de “jam” (gravações livres de improvisos em estúdio que por vezes resultam em canções e outras vezes em deambulações). Ele enviou-me uma progressão de acordes e eu achei-a bastante apelativa apesar de não ser exactamente uma canção. Pedi-lhe as faixas separadas de cada instrumento e no meu estúdio comecei a construir uma canção à volta do baixo e da estrutura do Charlie.
O resultado foi a primeira canção em que alguma vez construímos juntos e o primeiro single: "Time Passing By". 
Tudo tornou-se muito óbvio: o workflow e o processo. O Charlie delirou e as coisas eram tão simples nas nossas trocas onde os gostos se complementavam e a nossa cultura musical é bastante similar. Devido ao processo ser tão suave começámos naturalmente a criar novas canções.
C: Essa “ponte aérea” foi construída em Abril do ano passado (2018) e é como a Pam explica: foi tudo muito natural e um processo bastante simples e fluído. 

O EP ”Paris, Sines”, está prestes a ser editado,já podem antecipar o que podemos esperar?
P: Este projeto é focado em atmosferas etéreas e imagens. É um projeto com laivos cinematográficos em que cada canção apela para cenas de filmes. É a banda sonora de uma vida, um passeio longo pela complexidade e intimidade humana, explorar relações e sentimentos. 
O EP tem 6 temas. Todos exploram ambientes sonoros dos anos 70, baterias secas, baixos irrequietos e reminiscências dos anos 90 com guitarras por vezes crunchy e um fuzz infernal…
C: Existem aqui temas que poderiam entrar facilmente numa série da Netflix, HBO ou até em filmes em que os personagens são seres solitários que cresceram a ouvir grunge e a ver os filmes do Spielberg e outros grandes clássicos da sétima arte. 
Todos os temas do EP “Paris, Sines” têm a temática da viagem e da conexão entre seres humanos especialmente pelos sentimentos e isso está muito bem patente no videoclipe do tema Holiday em que a única personagem (interpretada pela atriz Helena Caldeira) deambula por diversas paisagens. Também podem esperar algumas pinceladas de psicadelismo.

Quais as vossas maiores influências musicais?
P: É difícil de dizer mas sou uma grande fã dos Beatles porque considero a sua discografia como uma Enciclopédia mas tenho um alcance longo no meu gosto musical. Otis Redding, Joe Jackson, Elvis Costello, Serge Gainsbourg, Beck, Nirvana, Elastica, Arcade Fire… e muitos outros.
CNo meu caso são as bandas de rock progressivo do final dos anos 60 e 70, o cante alentejano, fado, música brasileira, Beach Boys, Beatles, Tame Impala, Clã, muito jazz (Miles, Coltrane, Mário Laginha, António Pinho Vargas), soul e muita música clássica (sobretudo Debussy, Rachmaninoff, Chopin). Claro que as bandas sonoras para filmes têm um lugar especial no meu coração com destaque para Henry Mancini, Ennio Morricone, Nino Rota, John Williams, Danny Elfman, Yann Tiersen, Ryuichi Sakamoto, Bernardo Sassetti e tantos outros.
Para além da música, têm mais alguma grande paixão?
C: Sim! O cinema!!!
P: A música ocupa-me um grande espaço na minha vida. Também colecciono vinil mas acho que é bastante relacionado… :)

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
C: A incerteza que por vezes existe no pagamento das contas no lado da desvantagem. Quanto à vantagem é poder criar obras de arte com um significado e ser capaz de emocionar quem as irá fruir. Há muito mais vantagens do que desvantagens. 
P: Eu não vivo totalmente da minha arte, tenho outro trabalho que me permite pagar as contas, o que é muito bom, deixando-me livre. Não tenho a certeza se o meu objetivo é fazer da música um trabalho a tempo inteiro. Eu quase que consegui há uns anos atrás quando fiz digressões e tive a experiência de assinar com uma grande label. Foi divertido mas eu desfruto mais sendo totalmente livre agora, podendo fazer as minhas próprias decisões e trabalhando de toda a alma num projeto como Alen Tagus sem a necessidade de muito sucesso ou a pressão financeira que me poderia levar a más decisões. 

Como preferem ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
P: Eu uso Spotify no meu telemóvel mas costumo comprar vinil (novo e usado). O vinil é certamente a melhor maneira de ouvir música, na minha opinião. É o formato ideal, soa muito dinâmico (quando é prensado da maneira correcta) e ler toda a informação nas grandes capas de 12” é muito inspirador!
C: Uso Apple Music no telemóvel e compro vinil e cd. Também concordo que o vinil é super inspirador e tem um som muito agradável. Cada disco pode ser uma obra de arte plástica devido aos Gatefolds com grafismos incríveis e ainda se pode ler as letras ou notas extensas sobre as gravações ou o conceito dos álbuns. 

Qual o disco da vossa vida?
C: Pink Floyd - "Wish You Were Here"
P: The Beatles - "Revolver"

Qual o último disco que vos deixou maravilhados?
P: "The Suburbs" dos Arcade Fire. É um clássico! Volto muitas vezes a ouvir este disco. Acho que os Arcade Fire são os novos Beatles. Têm estado a construir uma discografia extraordinária feita de pérolas em que têm uma produção ousada, experimental, também cometendo erros mas há sempre uma dimensão no seu trabalho, um objetivo que é raro nos nossos dias em que os artistas precisam produzir constantemente êxitos.
C: “Paris, Lisboa” do Salvador Sobral. 
Esse álbum será com certeza um clássico da música portuguesa juntamente com os Capitão Fausto na sua aventura no país tropical intitulado de “A Invenção do Dia Claro”. 
Qual a vossa mais recente descoberta musical?
C: São tantas!! O novo de Andrew Bird, Shana Cleveland (vocalista da banda californiana La Luz) a solo, Weyes Blood (grande compositora e cantora), o disco da parceria entre Karen O e Danger Mouse, uma banda espanhola de rock psicadélico Vera Fauna (são de Sevilha), Faye Webster, William Tyler, André Barros (compositor brilhante de Leiria), o novo álbum de Yann Tiersen, os Fogo-Fogo, Madrepaz, Rosalía, The Lemon Twigs, a Banda Mutante (que gravei recentemente no meu estúdio), Elida Høgalmen (cantautora de Bergen, Noruega).
P: O Charlie apresentou-me o último disco dos Big Thief que achei muito bom. Também gostei imenso do último album do Sam Evian e dos Telekinesis. 

Qual a situação mais embaraçosa que já vos aconteceu num concerto?
P: Aconteceu há muito tempo… provavelmente uma sala onde ia tocar completamente vazia? Depois de algum tempo, habituas-te à ideia. :)
C: Não foi embaraçosa foi mais assim para o bizarro… Uma criança de 3 anos, no final de uma sessão do cine-concerto interactivo atirar-se literalmente do palco para o vazio depois de tocar piano comigo… :/ Isto aconteceu no mês passado. De notar que ninguém ficou mal com este incidente. Não passou de um susto...

Com que músico/banda gostariam de efectuar um dueto/parceria?
P: Mmmmmm, essa não é fácil. Talvez com Charlie Mancini? (risos)
C: Obrigado Pam mas este EP vai mesmo sair por isso a tua resposta não vale! (risos).
Gostava de fazer uma parceria com o talentosíssimo Mário Laginha no sentido de arranjos orquestrais para temas nossos. O trabalho que ele fez no disco "Rosa Carne" dos Clã é sublime. 

Qual o melhor concerto a que já assistiram?
P: Supergrass, Elysée Montmartre in Paris, 2008
C: Prince, Super Bock Super Rock, 2010

Que artista ou banda gostavam de ver ao vivo e ainda não tiveram oportunidade?
P: Otis Redding e os Nirvana
C: São tantas! Tame Impala, Beck, Ben Folds, The Black Keys, Brad Mehldau, Brian Wilson, Ciclo Preparatório, David Crosby, Fat Freddy’s Drop, Fleet Foxes, Goldfrapp, La Luz, M (Matthieu Chedid), Neil Young, Paul McCartney, Radiohead, Sakamoto, Salto, Snarky Puppy, Vulfpeck, Yuja Wang, David Helfgott...

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de terem nascido) em que gostariam de terem estado presentes?
P: Nirvana no Festival de Reading e os Queen no Live Aid.
C: Estreia do concerto para piano e orquestra número 3 de Sergei Rachmaninoff tocado ao vivo pelo próprio compositor.
Têm algum guilty pleasure musical?
P: ABBA, eu amo absolutamente esta banda.
C: Nem por isso. O "10000 Anos Depois Entre Vénus e Marte" do José Cid é uma obra-prima!

Projectos para o futuro?
P: Já começámos a trabalhar para o segundo disco… uma canção já está concluída!

Que pergunta gostariam que vos fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
P: Não sou muito boa neste jogo. (risos)
C: Até agora as vossas perguntas têm sido boas. Não baixemos a fasquia... (risos)

Que música de outro artista, gostariam que tivesse sido composta por vocês?
P: "Bad Ambassador" dos Divine Comedy, e a "For No One" The Beatles
C: Ui… tantas! "God Only Knows" do Brian Wilson encabeça a lista.

Que música gostariam que tocasse no vosso funeral?
P: Ainda estou a tentar descobrir… talvez alguma coisa do Al Green. 
C: Não faço ideia. 

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Thank you!

Terminamos ao som da música de Alen Tagus e do single "Holiday"...

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