Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
LUMANZIN: Meu pai é maestro e desde que eu nasci ele me leva em vários ensaios dos corais que ele rege, das orquestras... Foi daí que veio esse sentimento, foi aí que aprendi a cantar. Durante minha infância participei de muitos projetos musicais, fiz aula de musicalização e até lancei minha primeira composição com 6 anos. Acho que normalmente vem assim, né? De influência.
Segundo sabemos preparaste para editar o álbum “quarentena”, que é muito mais que um disco, queres apresentar-nos o projecto?
O projeto “quarentena” nasce depois de um aborto, um término, uma formatura e um encontro direto com uma idealização. Tem esse nome porque foi literalmente um período de isolamento e cura. Passei o primeiro mês dessa fase toda pensando que eu deveria me dar tempo pra sentir as coisas pelas quais tinha passado, mas achei que ia ser mais rápido. Passou um mês, dois meses e só depois disso que tudo começou a cair sobre mim. No fim do segundo mês desde tudo que aconteceu (inclusive no primeiro eclipse do eixo leão-aquário de 2018) eu comecei a tossir. Era uma tosse tão forte que eu não conseguia conversar, comer, dormir. Vivia com dor por causa dos músculos inflamados e cheguei até a quebrar uma costela por causa disso. Consequentemente passei muito tempo em casa. Acendi inúmeras velas, conversei muito comigo mesma, com a Lua, entendi meu silêncio e diversos outros lugares da minha consciência.
Como sempre, tudo que eu sinto vai saindo de mim em algum tipo de mídia artística. Nessa fase eu escrevi muito, filmei muitas coisas, compus, fiz ensaios fotográficos e muitas performances pra tentar entender o sentimento de tristeza e aliviá-lo.
LUMANZIN - "quarentena" |
Um dia eu tava em casa tendo uma pequena crise de ansiedade querendo urgentemente sair de lá, ir pra outro lugar e comecei a procurar residência artística para músicos na internet. A primeira que eu achei, na Banff Centre, foi a única que me inscrevi e foi aí nessa inscrição que surgiu o “quarentena” de fato. A inscrição pedia um esboço de um projeto para ser desenvolvido durante a residência, então juntei todo o material que eu já tinha e entendi como se encaixava. Dois meses depois recebi um email dizendo que fui aceita e a partir daí eu comecei a estruturar de verdade o CD.
É um projeto multimidiático porque só assim consigo transmitir (com imagens documentais e/ou manipuladas) o que foi de verdade essa fase. Tem CD, muitos textos, ensaios fotográficos e um falso-documentário.
Já lancei o primeiro single, estou me preparando para lançar o CD e um pouco mais pra frente lanço o falso-doc e planejo realizar algumas exposições em galerias para mostrar os outros vídeos, as fotos, os textos, criar um ambiente imersivo.
O teu projecto “quarentena”, é uma mescla entre som e arte, para ti a música é muito mais que uma sonoridade?
Se analisar friamente a música é apenas a sonoridade. O negócio é como essas ondas se organizam e atingem quem está tocando ou ouvindo. É tudo questão de tempero, né? Ir testando e vendo qual combinação de notas, qual tempo, quais recheios vai deixando mais perto da vibração do sentimento originário.
Em que medida esse período no Canadá, influenciou a tua música?
Passei 2 meses em uma parte bem remota, isolada e fria do Canadá. Eu acho que isso influenciou mais minha visão de vida, mudou muito minhas perspectivas e ambições. Aumentou o repertório de possibilidades e isso vai mudando meu som junto. Passar muito frio, a neve, o silêncio, a mata, a água congelada, os animais selvagens, a diferença entre o Canadá e o Brasil em questões de incentivo, investimento, qualidade de vida, etc… Isso me fez querer conhecer mais lugares, mais culturas. Saí de lá conhecendo gente do mundo inteiro, me comuniquei por sinais com pessoas de tribos da Tasmânia, isso abriu a portinha da curiosidade de investigação de arte num geral, então tô ansiosa pra ver como vão ser minhas próximas criações a partir dessas referências.
Quais as tuas maiores influências musicais?
Monteverdi com certeza é a maior. Descobri isso ano passado depois que um super amigo meu ouviu meus arranjos de coral e disse “nossa, você realmente é filha do seu pai” e botou Monteverdi pra tocar. Eu nem lembrava, mas meu pai fez uma pesquisa de doutorado sobre ele e pelo jeito acabei ouvindo muito!
Outras grandes são: Maria Rita, Chico Buarque, Caroline Shaw (uma compositora americana contemporânea, faz arranjos lindos!)
E claro, minhas amigas: Malu Magri, Obinrin Trio, Manacá me Viu pequena, Loreta Colucci, Carcaju… Essas tem sido minhas maiores referências esses tempos porque elas fazem o tipo de música que eu gosto de ouvir, de cantar, de compor junto.
Conheces alguma coisa da música portuguesa?
O que conheci de música portuguesa foi através do site de vocês! Já conhecia First Breath After Coma pelo instagram, a Maro, mas de vez em quando eu abria o site pra ouvir o que tava rolando em Portugal. Ouvi muita coisa legal e quando fui pra Lisboa, acabei conhecendo muitos instrumentistas também.
Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Aulas! Eu adoro dar aulas, estar em contato com pessoas. Tenho muita facilidade também, a experiência de palco ajuda muito a lidar com platéias de qualquer tipo e gosto de praticar minha sensibilidade em ajudar a outra a entender, ampliar.
Também gosto muito (mesmo) de andar de bicicleta. É o melhor sofrimento que existe. As pernas queimam, o pulmão parece que vai explodir, mas é bom demais.
Qual o disco da tua vida?
Roomfull of Teeth - "Roomfull of Teeth". Sério. É perfeito.
Qual o último disco que te deixou maravilhada?
“First” do grupo yMusic. É um grupo instrumental que explora umas sonoridades que nunca tinha ouvido.
Qual a tua mais recente descoberta musical?
Agora eu tou ouvindo muita música tradicional da Turquia, da Noruega. Ouvindo muita música que não segue o padrão ocidental, sabe? Com muito microtom, umas técnicas vocais diferentes das clássicas, do jazz e da bossa. Essas são legais, mas não aguento mais (risos).
Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Em um dos meus primeiros shows eu falei no microfone “ai, essa música é muito chata” logo antes de cantar uma música minha… Nunca mais!
Qual o melhor concerto a que já assististe?
Da banda Carcaju num espaço muito pequeno aqui no centro de São Paulo. Era um dia frio, o equipamento de som não era lá grande coisa, mas foi um dos melhores shows que eu já vi com certeza! Fiquei emocionada, arrepiada, desacreditada do quanto eles são perfeitos.
Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Björk!
Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Queen com certeza.
Projectos para o futuro?
Realizar muitos projetos não só ligados à música, cantar com muita gente por aí, finalmente realizar um projeto chamado “abusos” que guardo na gaveta da minha cabeça por ainda não ter infraestrutura o suficiente, ter uma família legal e uma vida tranquila. Viajar muito a trabalho!
Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
Na verdade é uma que sempre me fazem, mas em particular:
“Como eu faço pra começar a compor e me destravar?”
Só tem um jeito. Tentando, odiando, ficando com vergonha de si mesmo e depois que passar por todas essas fases você começa a entender seus caminhos e aí fazer algo que gosta e se orgulha.
Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Sei que já falei desse grupo antes, mas a música “A E I O U” do grupo Roomfull of Teeth foi a única que veio na minha cabeça agora que me deu esse sentimento.
“Suíte dos Pescadores” também. É uma música bem tradicional, quase folclórica, Brasileira.
Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Acho que nenhuma… Não está no meu controle, mas acho que colocar música é mais uma informação pro corpo receber e a morte sempre é um sentimento que toma muito espaço dentro da gente.
Por fim ficamos com "GOZO", o primeiro single, extraído do futuro projecto "quarentena", com lançamento previsto para o próximo mês.
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