quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Conversas d'Ouvido com Blind Zero



Entrevista com os Blind Zero pela voz do vocalista Miguel Guedes. Não há como dizer isto de outra forma, mas os Blind Zero são uma das mais influentes bandas nacionais da sua geração. Com mais de 20 anos de carreira, o quinteto portuense composto por Nuxo Espinheira, Pedro Guedes, Vasco Espinheira, Bruno Macedo e Miguel Guedes, prepara-se para editar o novíssimo disco Often Trees. Enquanto esse dia não chega, fizemos uma retrospectiva da carreira, projectamos o futuro e pelo meio falamos muito de música, em mais uma edição das "Conversas d'Ouvido"... 


Ouvido Alternativo: Como surgiu o nome Blind Zero?
Miguel Guedes: Surgiu por uma preocupação que nós tínhamos na altura, no entanto já passou tanto tempo, que já temos alguma dificuldade em nos recordarmos como é isso surgiu. Essa preocupação era termos um nome aberto a qualquer tipo de interpretação e que pela conjugação das sílabas e dos sons, soasse a uma palavra só. Basicamente é uma questão de som, não tem qualquer tipo de interpretação por trás. Na altura lembro-me de ler uma entrevista com Black Francis dos Pixies em que dizia que "para fazer as letras das canções se obrigava a juntar palavras que não faziam sentido ao espelho, obrigando-as a estarem juntas pelo som que produziam" e foi um pouco isso que nós fizemos.

Como surgiu a paixão pela música?
De uma forma muito natural, até que dei por mim a ouvir Tom Waits, Suzanne Vega, Bruce Springsteen e Leonard Cohen, as coisas evoluíram muito naturalmente. Sempre gostei de música e de cinema, são as minhas duas grandes paixões, as outras artes nunca me tocaram tanto como estas duas. Para mim foi um crescimento normal, ouvir discos, esperar pelos discos em vinil e compra-los (um por semana, com muita sorte) e depois ouvindo rádio com o António Sérgio e tantos outros, que na altura nos davam a conhecer coisas que nós não tínhamos hipótese de ouvir. Criar as primeiras bandas de garagem, dar os primeiros concertos e os Blind Zero acabaram também por aparecer muito cedo nesse processo.

O que é que a cidade do Porto, tem de especial para ver nascer alguns dos mais marcantes projectos musicais nacionais? Além de vocês, falamos de nomes como Zen, Best Youth, Manel Cruz, GNR, Clã, X-Wife, Mesa, :papercutz e We Trust, entre tantos outros.
Acho que a cidade do Porto tem uma identidade, que convoca naturalmente a necessidade de as pessoas se exprimirem de uma forma artística mais evidente. Diz-se que o Porto é uma cidade por si, sobretudo no Inverno, muito cinzenta, muito granítica e isso serve como inspiração. Não estou com isto a dizer que não se pode fazer boa música nas Bahamas, ou na Jamaica porque se faz e as pessoas são muito felizes a fazer música. No entanto acho que o Porto, até por não ser a capital tem uma necessidade de afirmação artística de gente muito diversa. À medida que vais criando, vão nascendo coisas à volta da coisas que criaste, portanto é natural que de uma banda se faça outra e se criem movimentos das mais diferentes formas artísticas, esse espírito sempre esteve muito presente no Porto. Julgo que também existe isso nas outras cidades do país, mas no Porto sempre esteve muito presente desde o início da música popular portuguesa.

Nunca sentiram que se tivessem nascido noutro país teriam tido uma dimensão ainda maior?
Eu julgo que se tivéssemos nascido em Espanha teríamos seguramente mais dificuldade em falar inglês (risos), nós sentimos-nos bem aqui. É evidente que o nosso estilo de música tem raízes e vive de influências musicais e estéticas de outros países. É impossível dizermos o que seria se tivéssemos nascido noutro sítio, seria demagógico da minha parte afirmar que seríamos uma banda de enorme sucesso se tivéssemos nascido em Inglaterra, porque se calhar nem existíamos.

Recuando no tempo, em 2003, venceram o prémio “Best Portuguese Act”, agora que sabem no que a MTV se transformou, ainda guardam o prémio com orgulho, ou está escondido no armário (risos)?
Guardamos com orgulho, porque foi um prémio muito bonito e que nos possibilitou algumas coisas diferentes. O que eu tento agora fazer, é não o colocar em frente a uma televisão. Não vá eu passar pelo canal e o prémio envergonhar-se. (risos)

Após mais de 20 anos, ainda se conseguem aturar uns aos outros?
Sim, seguramente e cada vez mais, há medida que as pessoas vão crescendo, vão amadurecendo, temos imenso carinho por tudo o que fizemos juntos, aturamo-nos cada vez mais uns aos outros e é muito bom. Ficamos mais pacientes de deixamos cair as nossas pequenas vontades e agarramo-nos apenas às grandes. 
Blind Zero - "Often Trees"
Preparam-se para editar o disco, “Often Trees”, já podem antecipar um pouco sobre o que podemos esperar?
O Often Trees sairá no dia 6 de Outubro, e é um "filho muito desejado, que teve um parto difícil", como é habitual nos nossos discos. É um disco diferente de qualquer um dos outros, não encontro nele ponto de contacto com os anteriores, não é um regresso às origens, não é um disco como o Trigger, não é um disco que aponte para todos as direcções como o Redcoast foi. Não é um disco limado como o One Silent Accident, não tem um cariz tão pop como os últimos discos. Se calhar enquadra-se um pouco mais na zona onde habitamos em 2003 e 2005, com A Way to Bleed Your Lover e The Night Before and a New Day. É um disco mais denso, e menos de estúdio em relação a esses dois. Bastante pesado, sobretudo pelo imaginário que transporta e pelos sons utilizados, é um disco muito sombrio, difícil porventura. Tivemos vontade de fazer um disco assim, temos a ideia que é um dos nossos melhores discos. 

Neste disco contam com uma participação especial, como surgiu a colaboração com Jo Hamilton?
A Jo Hamilton é alguém que íamos ouvindo e conhecendo, embora tenha pouca obra editada, tem um disco maravilhoso chamado Gown, foi um disco muito bem recebido, aclamado, onde de produziram coisas evidentemente novas, uma voz deslumbrante com belíssimas composições. Para nós o disco foi uma surpresa muito grande, artisticamente era um disco muito bonito, e de repente tentamos a nossa sorte de falar com ela para saber se queria fazer alguma coisa, e ela respondeu que sim. Foi tão simples quanto isso, houve um cruzamento estético entre a canção que lhe propusemos fazer e foi feito de imediato, foi muito bonito.

Como gostas de descrever o vosso estilo musical?
Cada vez gosto menos de o fazer, eu acho que devemos tentar evitar isso. É evidente que as nossas raízes assentam no rock'n'roll e é esse o nosso espírito ao vivo. Se quiseres ir ver os Blind Zero ao vivo, vais ver um espectáculo de rock, mas há muito tipos de rock e muitas coisas que estão dentro de cada estilo. Este nosso novo disco é por exemplo muito mais atmosférico, é pesado, tem guitarras, mas é muito denso. Não sei se somos uma banda de rock pesado, ou uma banda atmosférica leve, tentamos que a nossa música passe por diversos ambientes, emoções e estados de espírito.

Agora queremos conhecer-vos um pouco melhor...
Para além da música e do cinema, tens mais alguma grande paixão?
Artisticamente, sempre foram aquelas que me deram vida. Tenho outras paixões pessoais, mas que estão mais relacionadas com o facto de querer ser feliz, escapando por momentos, do que se passa à minha volta. Procuro momentos de maior adrenalina, procurando algumas actividades um pouco mais radicais, mas sempre com segurança. Tento compensar a minha vida de rock'n'roll com evasão. 

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
A maior desvantagem, são os transportes, é andar de um lado para o outro, sem conhecer nada, aquela sensação de que vamos a muito sítios mas não vemos quase nada. As viagens devem ter um pouco mais de significado e o tempo é sempre muito curto. O que me agrada mais, é a felicidade que me dá. 

Quais as tuas maiores influências musicais?
Cresci a ouvir coisas muito diferentes, mas o núcleo duro, acaba sempre por ser os songwriters, aqueles que querem transportar alguma coisa nas palavras que dizem e trazem isso para as canções. Por isso senti-me muito feliz, quase como se fosse um familiar meu a ganhar, quando o Dylan foi eleito Prémio Nobel da Literatura. Por isso é que gosto de Tom Waits, de Springsteen, e tantos outros como o Cohen. Esses songwriters americanos são aqueles que mais me tocaram ao longo da vida, mas também gosto de ouvir outras coisas, mais modernas, mais pesadas, mais atmosféricas, mais pop.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Continuo completamente preso aos Cd's, ainda não dei o salto para o streaming.  Procuro sempre ouvir em Cd's, para mim é a forma mais agradável, é claro que no início eram os vinis, mas tenho ideia que muito rapidamente vamos voltar aos vinis e à cassetes, pelo menos no nosso caso.  

Qual o disco da tua vida?
O disco da minha vida são uns quantos. Mas aquele que me acompanha mais, que eu vou buscar em qualquer momento e me serve em qualquer situação boa ou má da vida, é o Born to Run do Springsteen e talvez noutros momentos o disco que vem a seguir também do Springsteen, o Darkness on the Edge of Town, são dois discos (1975 e 1978) que foram feitos poucos anos depois de eu ter nascido, mas que vão morrer comigo.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Maravilhado mesmo, foi o do Bowie, Blackstar.

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Ando a ouvir muito as canções do Leonard Cohen, tenho que ouvir ainda mais do que já ouvia, tenho entrado ainda mais na obra dele (relembramos que Miguel Guedes é um dos músicos nacionais que estão a homenagear a obra do músico canadiano com o projecto "As Canções de Leonard Cohen"). O último disco que comprei, porque ainda compro discos, foi o dos The National, Sleep Well Beast.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Acho que cair, mas também partir um dente, mas cair é mais fácil por uma pessoa levanta-se e... (risos)

Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Tenho vários heróis na minha vida, quando te digo que dois dos discos da minha vida são do Springsteen, é claro que gostaria de um dia partilhar o palco com o Boss, mas havia muitos outros. Em Portugal já o fiz com o Palma, e vou fazê-lo outra vez com o projecto "As Canções de Leonard Cohen". Aqui em Portugal já está resolvido, Jorge Palma. 

Para quem gostarias de abrir um concerto?
Springsteen e para o Tom Waits se ele desse concertos. Enquanto banda, também não me importava de abrir para os Queens of the Stone Age ou Radiohead, vou mexer uns contactos, vou trazê-los a tocar a Santarém (risos) 

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Imensos, estão quase todos por fazer, é evidente que o desejo de tocar nalguns grandes palcos europeus existe, mas é cada vez mais difícil, contudo acho que não passa por aí, temos que tocar onde nos sintamos bem, agora se me perguntares se gostava de tocar em Glastonbury ou no Rock in Rio, eu dir-te-ia Glastonbury.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
São muitos, é muito difícil. Enquanto miúdo, o do Springsteen em Madrid em 1988, foi a primeira vez que vi um grande concerto fora de casa, fora do meu país e portanto marcou-me imenso por tudo o que representou. Outros que destaco, Queens of the Stone Age no Teatro Sá da Bandeira, Radiohead, The National e Pixies no Coliseu. Também já tocamos em muitos festivais e à boleia disso já vimos concertos extraordinários, o do Bowie também me marcou muito, não o primeiro, mas o segundo na altura em que ele veio cá promover o Outside na Gare Marítima de Alcântara.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Tom Waits

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Não me importava de ter passado pelo Woodstock, nem pelas primeiras edições de Vilar de Mouros.

Tens algum guilty pleasure musical?
Devo ter vários, mas se calhar os Bon Jovi, que são uma banda muitíssimo divertida, com um grande cantor e com belíssimas doses de azeite, mas daquele bom, "virgem", como é que podemos negar um condimento desses na nossa vida? (risos)

Projectos para o futuro?
O futuro é próximo, o disco sai dia 6 de Outubro, concerto de apresentação na Casa da Música dia 20 e começar a tocar muito este disco que ao vivo é de facto tremendo. Estamos desejosos que as pessoas ouçam o disco para perceberem o impacto. Além disso, tenho ainda o projecto das "Canções de Leonard Cohen", com alguns concertos no imediato. No fundo pensar em tocar ao vivo, depois de um ano e tal a fazer um disco num processo que foi lento, vai saber muito bem trazê-lo para a estrada e tocar entre Alcabideche e Glastonbury (risos)

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Não há respostas dadas, para perguntas não feitas. Espero sempre que as perguntas me surpreendam.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
Por exemplo uma das que estou agora a cantar do Leonard Cohen, "Suzanne", é uma canção lindíssima e eu sinto-a como perfeita.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
O disco inteiro de Arcade Fire, o primeiro.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Como já vem sendo habitual terminamos ao som dos Blind Zero e do seu mais recente single "You Have Won"

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