quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Conversas d'Ouvido com Olívia de Amores

Entrevista com Olívia de Amores, cantora e compositora proveniente do Amazonas e que aterra directamente em Portugal, pela mão do Ouvido Alternativo. A sua sonoridade reveste-se de uma assinalável estética, entre as maiores influências musicais encontramos um passado ao som de System of a Down e um presente com St. Vincent e PJ Harvey, entre outros. Nesta descontraída conversa, falamos de discos de uma vida, projectos para o futuro e até de uma queda memorável... 
Após anos integrando o projecto Anônimos Alhures, Olívia decidiu aventurar-se a solo e é assim, que se apresenta nesta edição das "Conversas d'Ouvido"...


Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
Olívia de Amores: Não venho de uma família de músicos, eu sou a primeira musicista até onde sabemos, tanto por parte de pai, quanto de mãe. Mesmo assim encontrei um violão quebrado no quarto da minha avó paterna e adotei-o como brinquedo favorito. Tocava em cima da cama, dublava artistas que meus avós ouviam. Dessa forma ganhei gosto pela música e ganhei também uma fratura no ombro, após cair de um dos meus palcos imaginários.

Após diversos anos com Anônimos Alhures, como despertou em ti a vontade de te aventurares a solo?
Eu compus as músicas que toco hoje na carreira solo na mesma época em que compus as músicas que toquei na banda Anônimos Alhures. Portanto, o que diferencia os dois projetos não é exatamente “momentos, épocas, etapas de vida”. Não se trata de “Anônimos Alhures é meu passado, Olívia de Amores é meu presente”. 
Quando eu compunha alguma música, ela passava, basicamente, por dois critérios: se eu me visse perfomando-a no palco, eu destinava à banda; se não, guardava (essas seriam futuramente de Olívia de Amores). Outro critério era se a estrutura da música permitia execução no formato power trio de rock: se sim, iam para Anônimos; se precisavam de mais arranjos, guardava para o futuro. 
Por isso, as músicas que toco hoje como Olívia de Amores nasceram sem pretensão de serem executadas. Até que, recentemente, eu percebi que eu não me divido em duas, aquilo tudo podia ser parte de uma obra só. Assinando as coisas com meu nome eu poderia tomar para mim a responsabilidade de lidar com o estranhamento do público quanto à diversidade no que produzo, componho, canto, toco. Eu, como Olívia de Amores, sinto que posso me responsabilizar, pessoal e artisticamente, por eventuais decepções de potenciais fãs. Posso lidar com alguém que gostou de uma das minhas músicas, esperava mais músicas como ela e acabou percebendo que não sou a artista que esse alguém esperava.

É impressão nossa a tua música reveste-se de forte carga visual e estética, para ti a música é mais que uma sonoridade?
Certamente. Quando componho, muitas vezes me sinto numa experiência sinestésica. Na música “Abisso”, por exemplo, eu imaginei visualmente o que seria a região abissal do oceano, como deve ser um peixe que mora lá. A partir daí inventei um acorde que soasse com o que imaginei. Só então adentrei a parte literária, criando um eu lírico que tivesse uma peronalidade abissal. Coloquei sentimentos com os quais qualquer um possa se identificar, ainda que despreze aquela personagem cruel. Por isso a decisão de fazer um álbum visual sequer foi “importante”. Eu diria que foi essencial, uma vez que o sentido de muitas daquelas músicas só se aperfeiçoa com a imagem. 

Este ano preparaste para editar o álbum “Não é Doce”, já podes antecipar algo sobre o que podemos esperar?
Podem esperar muita entrega. Não quis fazer algo bonito, eu quis fazer algo real. Mesmo nas ficções que criei, habitam verdades de outras pessoas e vivências. Eu quis desconstruir, também, a ideia exclusiva de que o amor é um sentimento romântico. Por isso não falo de amor, mas sim do plural: “amores”. Várias facetas de sentimentos, que inspiram as pessoas de formas diferentes, que produzem sentimentos escuros e coloridos. Falei do amor por uma amiga e avó que faleceram, falo de amor ao próximo, de amor próprio.

Quais as tuas maiores influências musicais?
Eu nasci, artisticamente, no nu metal, por incrível que pareça. Eu cantava em uma banda cover de System of a Down, até algumas de Metallica e Slipknot. Logo após me apaixonei por Chico Buarque. Eu acho que o caminho que eu tracei a parti daí foi o que me tornou o que sou hoje.
Mulheres da música, em geral, me inspiram também: de Beyoncé a Ivete Sangalo. Não importa gênero, eu trago o que vejo delas pra mim. Mas definitivamente três artistas que influenciam diretamente meu trabalho são St. Vincent, Violeta Parra e PJ Harvey.

Como gostas de descrever o teu estilo musical?
Essa continua sendo a pergunta mais complicada pra mim. Eu ainda entendo o que eu faço como rock alternativo. Alguns dizem que é indie, outros dizem que é pop. Ninguém está errado, no fim das contas.

Conheces alguma coisa da música portuguesa?
Infelizmente não tive contato com muita coisa, mas lembro como foi marcante a “Canção do Mar” de Dulce Pontes. Em Julho desse ano finalmente resolvo o sonho de conhecer vossa terra em uma viagem e quitar essa dívida. 
Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Eu amo escrever. Apesar de brincar com violão na infância, meu sonho sempre foi ser escritora. Aos 15, percebi que fazer música era escrever e era tocar. Em “Não é Doce” pude investir ainda mais nisso, escrevendo os roteiros dos videoclipes do álbum. 
Um dos lançamentos que virão com o álbum é um curta-metragem, formado por duas músicas. É uma realização minha como escritora, como amante do cinema. 
Por isso acho que arte, indistintamente, é minha maior paixão. Ela é grande, eu sou pequena e é apaixonante demais perceber que eu nunca vou exaurir o conteúdo da arte.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
A vantagem é bem íntima: poder se esvaziar. Acho que muitas pessoas são artistas, mas não têm (ou pelo menos não sabem que têm) uma habilidade pra tirar essa massa criativa de dentro do peito. É frustrante. Sendo musicista, eu pude despejar toda minha angústia, raiva, ainda que não falasse uma palavra sequer a respeito do sentimento. Ajudou-me bastante na adolescência, foi terapêutico.
A desvantagem é que ser músico – ou artista, em geral – é mostrar tudo isso ao mundo. Às vezes o mundo não quer ouvir, ver, sentir aquilo. Tu podes ter feito a música da tua vida, entregado teu coração sobre uma bandeja e gastado muitos de seus recursos na execução disso, mas as pessoas que a ouvirem em um show têm o direito de não se importar, de não entender, de não se esforçar. É importante ter isso sempre em mente, mas dói e continuará doendo enquanto tu produzires coisas honestas.

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Eu amo a experiência de ouvir CD e vinil. Sinto que o streaming te abre um mundo de possibilidades, mas não te desafia. Quando eu era adolescente eu não podia ouvir o que eu quisesse, porque eu devia comprar. Nem sempre tinha dinheiro. Então eu comprava um CD e havia músicas que eu não gostava e nas primeiras ouvidas, eu as pulava. Mas depois de feito o investimento, tu te desafiavas a ouvir aquilo que não agradou, porque tu pagaste por aquilo. E aí em vez de tu mudares a música (ou procurar outra parecida com ela, como no streaming), a música tinha a oportunidade de te mudar. Isso é engrandecedor. 

Qual o disco da tua vida?
Eu demorei um total de dois dias e algumas horas pra responder essa questão. Eu acho que nunca um álbum vai abrir meu mundo de novo como "Toxicity" – System of a Down. Até hoje ouço e é pesada a quantidade de denúncia que tem dentro desse CD.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
"Vocação" – Lupe de Lupe 

Qual a tua mais recente descoberta musical?
Justamente essa banda da pergunta anterior, Lupe de Lupe

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Eu caí feio em um show grande, na praça que é o cartão-postal da minha cidade [Manaus, no estado do Amazonas]. Isso me ensinou a jamais fazer um show com um par de sandálias nunca antes utilizado. Hoje vendo o vídeo da queda (sim, tenho uma gravação; não, jamais alguém verá isso), percebo que foi, de certa forma, muito performática. (risos)
Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Gostaria de tocar ou cantar com a banda tUnE-yArDs. Deve ser muito divertido interagir e aprender com Merril Garbus, eu acho que ela iria apreciar minhas influências latinas.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Eu não recusaria um convite de tocar no Pitchfork Music em Paris ou Chicago. Eu acho que de certa forma minha música seria bem recebida nesses ambientes alternativos.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Circa Survive, em Belo Horizonte. Não é a minha banda favorita, mas essa foi a primeira e única vez que tive a experiência de ver um show importante em um local mais pequeno. A energia é outra.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
St. Vincent.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Seria clichê dizer Woodstock, mas convenhamos que essa resposta me pouparia de ter que escolher entre dezenas de bandas maravilhosas do passado. Então, pra ser mais justa e menos previsível, eu escolheria qualquer concerto de The Doors.

Tens algum guilty pleasure musical?
São tantos que eu acho que o único realmente guilt que tenho, em se tratando de música, é não conhecer o tanto de música culta que as pessoas conhecem ou acham que eu conheço. Eu gosto bastante de brega, que é um ritmo latino periférico que cresci ouvindo, muito comum nas casas e bares do norte do Brasil. Nutro afeto por sertanejo e pagode dos anos 90. 

Projectos para o futuro?
Quero tocar e viajar muito. Há cerca de dois anos que não tenho o prazer de palco, salvo esporádicas apresentações. Faz falta demais. Quero viver essas músicas de "Não é Doce" por um ano, descansar outro e só depois pensar em estúdio.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
“Estúdio ou palco?”. Definitivamente, estúdio. A criação me satisfaz mais que a performance, ainda que venha com aplausos. Mas depois de dois longos anos de produção, como disse em outro tópico, eu quero muito suar, rasgar o dedo em uma palhetada e quebrar uma corda.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
"Construção" – Chico Buarque.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
“Sobre a Musa”, que é minha e ainda não foi lançada. Fala sobre o que música é pra mim. Acho que as pessoas concordariam que a escolha me reflete muito. Espero que seja lançada antes desse evento em questão.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.

Por fim apresentamos o intenso e belo vídeo de "Abisso"...

Sem comentários:

Enviar um comentário