terça-feira, 19 de março de 2019

Conversas d'Ouvido com Allonesong

Entrevista com Allonesong, projecto do cantor e compositor Cláudio Mateus, músico que assinou projectos como Gnose, Caffeine e Electric Willow. O novo álbum de originais, Allonesong 1»13” foi editado em Novembro do ano transacto, um registo em formato intimista e acústico, "treze canções de recorte biográfico". Entre as maiores influências encontramos os grandes clássicos de Neil Young, The Velvet Underground, The Doors, Joy Division, Bob Dylan, Leonard Cohen e Zeca Afonso, entre tantos outros... Tal como a música de Cláudio Mateus, esta edição das "Conversas d'Ouvido", surge despida de artefactos, onde a música é o único e principal enfoque...

Ouvido Alternativo: Como surgiu a paixão pela música?
ALLONESONG: Hoje percebo melhor que o gosto pela música vem da minha mãe. Desde sempre me lembro de ouvi-la cantar a toda a hora…cantava belissimamente um repertório sem fim de canções populares e fados, na maioria da Amália e eu desde pequeno fui aprendendo e cantando essas canções, essa vivência foi importante no gosto pela música e na vontade de aprender um instrumento. Outra coisa determinante foi ter tido a sorte de na adolescência frequentar a casa de um amigo onde haviam uns discos de Doors e Zeppelin de um irmão mais velho… foi o fascínio total que não mais parou.

Como surgiu o nome Allonesong, podemos encará-lo como um alter ego?
Allonesong é um projeto paralelo aos Electric Willow que dá voz a uma vertente mais de cantautor. 
O nome Allonesong alude a uma passagem do disco “Live Rust” de Neil Young. Nesse registo ao vivo entre duas canções ouve-se alguém do público gritar “They all sound the same…” ao que Young responde “It’s all one song”. Agrada-me a ideia de que as canções podem ser exercícios contínuos que derivam da mesma ideia ou substância e pareceu-me fazer sentido com a forma como nasceu este conjunto de canções. Por outro lado a possível alusão/confusão de “all one song” com “alone song” também me agrada, afinal trata-se de um tipo com uma guitarra nas mãos a cantar as suas paisagens interiores.
Allonesong - "Allonesong 1 >>13"
Editaste no ano passado o disco homónimo de estreia, para quem ainda não ouviu o que podemos esperar?
O disco que tem por título “Allonesong 1»13” foi lançado pela Honeysound em novembro passado e integra treze canções alinhadas num conjunto que me parece coerente. As canções desenvolvem-se quase como variações sobre o mesmo tema onde a lírica vai versando sobre a estranheza perante as cambiantes do amor, as formas de driblar com os imponderáveis que nos trocam as voltas e nos obrigam a tomar as decisões mais solitárias, coisas assim…há também uns vislumbres mais luminosos.
É um disco para quem gosta de canções de recorte intimista sem grandes artifícios, há alguma percussão e uns arranjos pontuais num ou outro tema mas no geral a roupagem das canções é muito simples. Sempre gostei daqueles músicos que nos conseguem tocar com a sua voz e a guitarra a tiracolo. Quem gostar de música nessa onda e estiver disposto a deixar-se levar pelos temas é capaz de se sentir tocado também. 

Depois de outros projectos, como surgiu a vontade de te aventurares a solo?
Já há algum tempo que andava com vontade de fazer um disco de canções despojadas à volta da guitarra e voz e isso acabou por acontecer agora sem que fosse planeado. 
No verão passado peguei na guitarra e comecei a escrever umas coisas novas e completei meia dúzia de ideias que estavam esboçadas. Em duas semanas tinha este punhado de canções que pediam uma certa urgência de ser registadas. Eu queria aproveitar aquele “flow” descomprometido com que as canções me apareceram e ir para estúdio com as coisas ainda frescas e com aquele espírito de novidade. Fiz uns contactos e uns dias depois estava a gravar no Estúdio Rua Direita em Esposende com o José Ferreira nos comandos técnicos e a ajuda preciosa do grande Filipe Miranda/The Partisan Seed que co-produziu o disco e participou nalguns arranjos. Em três dias demos forma ao disco onde tudo fluiu de forma fácil e quando as coisas parecem fáceis pode querer dizer que estás a fazer bem. 

Quais as tuas maiores influências musicais?
São muitas as influências porque sempre ouvi muita música e variada mas na onda pop/rock tive a sorte de descobrir as grandes bandas desde cedo. 
Bandas seminais para mim foram os Velvet Underground, Stooges, Captain Beefheart, Buffalo Springfield, Doors, The Band, Led Zeppelin, The Who, Stones, Talking Heads, The Fall, Joy Division, Pixies, Sonic Youth, Butthole Surfers, Stone Roses ou Go-Betweens. E claro, também os grandes escritores de canções como Bob Dylan, Leonard Cohen, Neil Young, Tom Waits, Townes Van Zandt, Joni Mitchell, Nick Drake, Van Morrison, Serge Gainsbourg, Nick Cave, Shane MacGowan, Will Oldham, Bill Callahan, Mark Kozelek, Jason Molina. Também desde cedo descobri o fascínio da música dos nossos Zeca Afonso, Fausto e Zé Mário Branco e sempre ouvi jazz, alguma música experimental e música clássica.

Para além da música, tens mais alguma grande paixão?
Livros.
Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
É bom teres coisas que te arranquem da lama dos dias, fazer música para mim ainda tem esse efeito. Há também uma certa ilusão do sentido das coisas quando vais na perseguição do belo.
Não vejo nenhuma desvantagem, a não ser quando tomas a opção de ser músico a tempo inteiro as dificuldades começam a aparecer, mas há muito tempo que essa deixou de ser sequer opção para mim. 
Qualquer coisa que te ponha a brincar com a tua imaginação e te resgate da espuma dos dias já vale a pena, mas para além disso fazer música é qualquer coisa que me ajuda a equilibrar os dados, funcionando quase como uma terapia barata que está ao meu alcance. Depois convém teres pessoas que te ouçam para que o processo se complete e as coisas ganhem outro sentido, felizmente vou conseguindo ter isso. 

Como preferes ouvir música? Cd, vinil, k-7, streaming, leitor mp3?
Vinil sempre, sou um ávido consumidor de música, tento andar a par das novas edições e continuo a adquirir música em formato físico, preciso de ter a coisa nas mãos que complemente o que estou a ouvir… capas, fichas técnicas, créditos, enquadramentos críticos, letras, etc, não sei ouvir música de outra maneira. Vou picando umas cenas na net mas só para conhecer, porque os discos que me interessam tenho de os ouvir de uma ponta à outra em vinil ou cd numa boa aparelhagem.

Qual o disco da tua vida?
Muito difícil, acho que não tenho o disco da minha vida, mas muitos discos da minha vida...vai esta mão cheia deles - o terceiro dos Velvet Underground, “Funhouse” dos Stooges, “Zuma” do Neil Young and Crazy Horse, “Songs from a Room” do Cohen e o “Astral Weeks” do Van Morrison.

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Visions of Us on the Land” do Damien Jurado, é um disco belíssimo de um dos escritores de canções da minha geração que mais admiro. É já um disco de 2016, mas normalmente mergulho nos discos com algum delay, não dá mesmo para acompanhares o que te interessa ao ritmo alucinante das edições.

Qual a tua mais recente descoberta musical?
Um músico/guitarrista dinamarquês de jazz/experimental que se chama Jakob Bro e que cria umas composições e atmosferas que me agradam muito, na onda das sonoridades que caracterizam o Bill Frisell.
No rock, os Fountaines D. C. são sem dúvida uma banda com pegada, acho que vale a pena acompanhar.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
Lembro-me dum concerto por volta de 2000 com os CAFFEINE num pavilhão qualquer em Caldas da Rainha em que as condições acústicas eram difíceis e havia um grupo de pessoas no público que faziam uma grande algazarra durante as canções. Eu devo-me ter passado e tive a brilhante ideia de mandar um assobio ensurdecedor ao micro, no final do concerto tivemos de sair à pressa pelas traseiras porque havia pessoal disposto a ajustar contas connosco.
Com que músico/banda gostarias de efectuar um dueto/parceria?
John Cale

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Qualquer palco é bom, desde que haja um público disposto a ouvir-te e se possa trocar boa energia. Hoje em dia não é fácil agendares várias datas em espaços porreiros, há muitos projetos de qualidade a querer tocar e também há uma coisa muito nossa que é a quase omnipresença dos mesmos nomes em todos os palcos, roubando espaço de manobra e visibilidade a outros projetos muitas vezes mais interessantes. Não sei se lhes podemos chamar lobbies mas há de facto redes de contactos estabelecidas às quais, se não consegues aceder, tens o trabalho de promoção e agenda de concertos dificultada.
Sabemos que o circuito é reduzido mas apesar de tudo tenho tido o gosto de passar por muitos palcos interessantes.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Neil Young and Crazy Horse em 2001 no Festival de Vilar de Mouros. Um som de outro mundo e uma entrega superior num concerto abençoado pela chuva. Um concerto mítico sem dúvida.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Tom Waits.

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostarias de ter estado presente?
Nina Simone no Festival de Montreux em 1976.

Tens algum guilty pleasure musical?
Não me estou a lembrar…quando comecei a ouvir musica à séria e a comprar discos, o dinheiro não era muito e obrigava-me a ser criterioso com os discos que adquiria. O meu primeiro disco de vinil foi o “Songs for Drella” de Lou Reed e John Cale em 1989, não comecei nada mal…

Projectos para o futuro?
Para já, fazer mais umas datas a apresentar este disco e entretanto finalizar o quinto álbum de Electric Willow que gostaria que saísse ainda este ano. 
Fiquei muito satisfeito com este disco e tenho vontade de voltar a fazer coisas neste registo por isso Allonesong vai com certeza continuar.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta?
Pá, sei lá…acho que faço perguntas demais a mim próprio às quais não obtenho grande resposta pelo que não valerá muito a pena o exercício.

Que música de outro artista, gostarias que tivesse sido composta por ti?
To Live is to Fly” do Townes Van Zandt, um master na escrita de canções, lá em cima com Dylan e Cohen.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Sweet Thing” de Van Morrison.

Obrigado pelo tempo despendido, boa sorte para o futuro.
Terminamos, precisamente ao som do disco Allonesong 1»13”, que se encontra disponível para escuta e download através da plataforma Bandcamp.

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