quinta-feira, 9 de maio de 2019

Conversas d'Ouvido com The Gift

Entrevista com os The Gift, pela voz do multi-facetado Nuno Gonçalves. Banda que dispensa apresentações, editaram recentemente o novo disco "Verão", segundo com a colaboração de Brian Eno. Hoje e passados 20 anos regressam à Aula Magna, para um concerto muito aguardado. No ano em que celebram 25 de carreira, estreiam-se em discurso directo nas "Conversas d'Ouvido"...

A vossa música desde sempre denotou uma preocupação estética, para ti a música é muito mais que uma sonoridade?
Nuno Gonçalves: Sim, claro, aliás a música a partir do momento em que sai da pauta, e entramos numa era em que a música é muito mais do que notas numa folha, acaba por ter um sentido estético. A música só faz sentido se tiver um sentido estético apurado, porque se não são apenas notas.

Continuam a ser uma banda indie na verdadeira acepção da palavra, é graças a essa independência que continuam a poder explorar novos caminhos?
Também, mas não só, acho que está relacionado com esta maneira de querer fazer diferente, não nos queremos repetir. Eu acho que uma banda hoje em dia, sobretudo com uma série de ditaduras do “like” e do “unlike” e do “thumbs up” e “thumbs down”, é muito difícil traçares o teu próprio caminho e isso só se traça com a diferença, custe o que custar e felizmente os The Gift têm público e o nosso público responde afirmativamente ao facto de não nos repetirmos.
The Gift - "Verão"
Editaram recentemente novo disco, o segundo com a colaboração de Brian Eno. Segundo sabemos o “Altar” era um desejo antigo, agora com o “Verão”, gostaram tanto da experiência que quiseram repetir?
Sim, no fundo a pergunta, já responde. Nós basicamente o que temos com o Brian Eno é uma amizade e depois há toda uma partilha de trabalho e de composição e de talento dele que nos agrada imenso. Enquanto ele estiver disponível e gostar de trabalhar connosco, acho que é uma parceria para se manter. Nunca gostamos da ideia de usar um produtor por usar, até porque único grande produtor que usamos foi o Brian Eno. Sabemos que estas parcerias são duradouras, não nos interessa fazer “one-night stand” de produção. (risos)

Quais as maiores influências por detrás deste “Verão”?
Não temos muitas, o disco é inspirado num verão tórrido, lá fora um calor abrasador e cá dentro uma suave brisa a entrar pela janela, é a imagem que inspira o “Verão”. Mais do que ter uma banda ou uma referência, nós já não temos assim uma idade que nos permita ter influências directas. Temos artistas e músicas que gostamos, mas há já alguns anos que temos a nossa própria identidade.

O álbum intitula-se “Verão”, mas não é de todo um disco veraneante, é uma espécie de verão introspectivo? 
Sim, é isso mesmo, foi como disse na resposta anterior, é inspirado no “dentro de casa”, até algo melancólico, não nos interessava fazer um disco em homenagem a “Ibiza” (risos). É um disco bastante mais alentejano, no sentido, de planície do que veraneante no sentido de praia, piscina e “martinis” a ver o pôr-do-dol. (risos)

Hoje em dia a música é muito facilmente descartável e consumida depressa, o “Verão”, não nos parece um disco radiofónico, parece-nos que é um disco para ser degustado lentamente, e apreciado com calma. Achas que merece o ritual de abrir o encarte do CD ou do vinil, e ouvi-lo com as letras na mão. Pensaram nisso quando o compuseram?
Sim, claro, aliás todos os nossos discos têm por detrás esse ritual, não nos interessa ver as coisas de outra forma. Nós habituamo-nos e somos de uma geração que ouve a música dessa forma, ligamos muito à música, a música é demasiado importante para ser gasta apenas numa partilha. Nós gostamos que a música seja degustada e esse processo é na minha opinião a coisa que mais prazer nos dá na musica. A nossa música não poderia ser diferente. Eu quando oiço um disco novo de uma banda que aprecio, gosto de ouvir o disco, ler as letras, perceber quem o fez, como foi gravado. Quando vamos a uma exposição, não vemos um quadro e vamos embora, temos que ver a colecção num todo, é a mesma coisa com a música. Há muito esta ideia de que uma música é um single, um videoclipe, um “like”, uma partilha e na nossa óptica nunca nos vamos vergar a essa máxima.

Ainda em relação à vossa discografia, toda ela é revestida por belíssimos encartes, em formato livro/cd. Ainda dão importância ao objecto físico?
Sim e cada vez mais, se nos dizem que a grande maioria ouve música até de uma forma muito “fria”, eu acho que existe uma grande minoria que não é assim e que gosta de ouvir a música como ela deve ser ouvida. Achamos que é para essa grande minoria que nós trabalhamos. Há muita gente que não se revê no “like” fácil, no Youtube, etc. Eu pessoalmente, não me revejo com essa maneira de ver a música. Acaba por ser uma oportunidade através da nossa música e da nossa estética, chegarmos a um público que não se revê nisso. Não é nada contra, é só uma maneira diferente de fazer as coisas. Acho que os encartes, o nosso “artwork” e a forma como produzimos os nossos discos, é juntamente com os espectáculos, aquilo que faz com que a banda sobreviva até hoje. É uma obsessão pela qualidade e por tratar bem quem gosta de nós.
Preparam-se para regressar à Aula Magna, 20 anos depois, o que podemos esperar desse concerto?
Um concerto arrebatador. A Aula Magna não merece nada menos do que noites arrebatadoras. Recordo-me que a primeira grande noite na capital, há vinte anos atrás, foi nesse palco e queremos voltar com pompa e circunstância, queremos que as pessoas saiam de lá com a sensação que foi um dos melhores que viram este ano. Uma banda com 25 anos de carreira não pode pensar menos.

Agora mudando de assunto, com tantos anos de estrada, qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
O básico, falhar a luz, é uma coisa que nos incomoda bastante, porque usamos muitas electrónicas, pistas, programações pré-gravadas, mas assim caricato, não. Aliás, aconteceu-me recentemente um episódio, fui fazer as “Manhãs da Rádio Comercial” e não levei o carregador do meu teclado, era uma coisa que não devia acontecer com uma banda com tanta experiência como os The Gift, mas aconteceu. (risos)

Para lá da música tens mais alguma grande paixão?
A minha filha, mas agora que estou a pensar nisso, sou uma pessoa bastante desinteressante (risos), não tenho mais nada que me apaixone realmente. Ah! Tenho a selecção portuguesa de futebol, sou um grande apaixonado pela nossa selecção. 

Agora queremos conhecer-te um pouco melhor enquanto apreciador de música com uma série de perguntas de resposta curta e directa…
Como preferes ouvir música, cd, vinil ou streaming?
CD

Qual o disco da tua vida?
Disintegration” dos The Cure

Qual o último disco que te deixou maravilhado?
Lux Prima”, Karen O com Danger Mouse
Qual a tua mais recente descoberta musical?
Pode ser a Billie Eilish, é um disco interessante, apesar da Lana del Rey, já o ter feito há seis anos atrás, mas não era tão punk na maneira de actuar.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Björk, no Liceu de Barcelona, “Vespertine Tour”

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Acho que vai ser impossível, mas Joy Divison (risos). Ainda que já tenha visto os New Order, quando eles ainda se davam bem em 2000, acho eu.

Um guilty pleasure musical?
“One Night Love Affair”, do Bryan Adams (risos)

Que pergunta nunca te fizeram e gostarias que te fizessem? E qual a resposta?
Porque é que nunca foste capa do Expresso? Queres também a resposta? 
Porque são parvos. (risos)

Vamos alterar a habitual pergunta dos projectos futuros e gostaríamos de saber se depois de “Primavera” e “Verão”, podemos esperar um “Outono” e um “Inverno” com produção de Thom Yorke, talvez? (risos)
(risos) Não de todo, acho que o Thom Yorke, é um artista fantástico, mas acho que no trato, deve ser uma pessoa bastante chata e difícil de aturar, para isso já temos cá eu. Não é preciso dois no mesmo barco (risos). Estou a brincar, mas o “Outono” e o “Inverno”, se eu for vivo e os The Gift existirem, não sei quando, mas vamos de facto fazê-los.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?
Pictures of You”, The Cure

Obrigado pelo tempo despendido.

Terminamos ao som do belíssimo single que dá título ao mais recente disco "Verão".

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