terça-feira, 16 de agosto de 2016

Conversas d'Ouvido com Nobat

Estivemos à conversa com um dos mais interessantes músicos do panorama alternativo brasileiro, Nobat, que nos apresenta uma indie pop deslumbrante e surpreendente onde a estética musical assume lugar de destaque. Em Outubro passará pela primeira vez por Portugal para uma série de seis concertos, muito aguardados. Nobat revelou em primeira mão ao Ouvido Alternativo os projectos para o futuro que passam por um novo disco de estúdio. Podem descobrir isto e muito mais nesta nova edição das "Conversas d'Ouvido"...

Ouvido Alternativo: Nobat é um nome bastante curioso, é o teu nome de verdadeiro ou um pseudónimo?
Nobat: Nobat é um pseudónimo. Trata-se de uma combinação guiada pelo som e montada a partir das primeiras sílabas dos meus dois sobrenomes: Barreto e Nogueira (NO + BAT). O meu nome é Luan. Depois de algum tempo a usar esse pseudónimo fui procurado por um garoto da Índia que tinha esse mesmo nome. Ele encontrou-me numa busca no google e decidiu falar comigo porque trata-se de um nome típico de uma região da Índia, porém muito raro. Ele ficou curioso ao ver que no Brasil existia alguém com esse nome. Através dessa conversa que tivemos, descobri também que Nobat significa tambor.

Como surgiu a paixão pela música?
A paixão pela música surgiu no berço. A minha família é extremamente ligada à música, mas ninguém seguiu carreira profissional. O meu pai é um excelente violonista e a minha mãe escrevia muito quando era mais nova, além de ser uma artista nata. Eles apresentaram nas festas de família, no quintal de casa e em todos os lugares todo o cancioneiro popular brasileiro que é muito rico, vasto e sem fronteiras de género. Aos poucos, fui despertando curiosidade por outros estilos e compus a minha identidade pesquisando coisas no mundo todo.

Em Outubro tens concertos agendados para Portugal, será a tua estreia por terras lusas? O que esperas desses concertos e da reacção do público deste lado do Oceano?
Sim, será a minha estreia em terras lusitanas, inclusivé pessoalmente. Não conheço Portugal ainda. Espero que seja divertido e que eu possa me conectar a pessoas e artistas daí. Quero conhecer muitos lugares também.

Como surgiu a possibilidade de efectuares um dueto com a Julia Branco?
A Julia Branco é uma cantora de Belo Horizonte, a minha cidade, e quando escrevi essa música tinha feito para a minha namorada cantar. Na época, a Luísa não se sentia tão à vontade para cantar e se expor em público, isso fez-me ter que procurar alguma voz que pudesse preencher aquele espaço que formava o duo. Deparei-me certa vez com um vídeo da Julia cantando uma música em francês com sua banda que eu não conhecia naquela altura ainda. Escrevi para ela fazendo o convite para a participação na faixa e ela aceitou.

Para além da música, t que tocasse no vossomavamstiram que tocasse no teusosavas ariasens mais alguma grande paixão?
Sou alucinado por literatura e atualmente tenho feito algumas experiências com instalações. Amo arte sonora que é uma maneira de manipular o som artisticamente de modo totalmente desvinculado da música. Recentemente descobri a arte sonora de uma video-instalação-performática do artista mineiro Tiago Tereza e foi uma descoberta maravilhosa. Interesso-me muito por fazer bandas sonoras de cinema e jogos de vídeo também e estou a montar um projeto para isso.

Qual a maior vantagem e desvantagem da vida de um músico?
As vantagens são conhecer pessoas, lugares, ter experiências únicas em cada apresentação. É muito prazeroso para mim poder registar os períodos da minha vida em discos, videoclipes e tudo mais. A música é o grande lugar do tempo e do espaço, é assim que eu a compreendo e é a partir daí que tenho explorado as minhas músicas. Sei que existem desvantagens, mas a minha relação com a música é livre e despretensiosa, sou um artista independente e o meu trabalho é uma maneira de expressão da minha experiência existencial. Por não haver pretensões muito imensas, as desvantagens são minúsculas.

Quais as tuas maiores influências musicais?
Eu sempre digo quando converso com amigos, fãs ou jornalistas que vejo uma diferença imensa entre influência e referência. Aquilo que me influencia é o que me impulsiona a criar, diferentemente da referência, que surge depois da criação, no momento de arranjar uma música, de determinar a sua mixagem, a sua paisagem sonora e definir as escolhas por de trás de tudo: músicos, instrumentos, etc. As minhas maiores influências são aquelas coisas que me fizeram criar como Caetano Veloso, Hilda Hilst, Lars von Trier, Tom Zé, Mutantes, Milton Nascimento, Ana Cristina César, Rogério Duprat, Júpiter Maçã, Tatá Aeroplano, Radiohead, Almodóvar, Jards Macalé, Tom Jobim, João Gilberto, Jorge Mautner, Iberê Camargo, Saramago, Luiz Gabriel Lopes, Antônio Loureiro, Rilke, Cildo Meireles, Gilberto Gil, Umberto Eco, Broken Social Scene, Tunga, Beatles, Múm, Dosh... A lista é imensa, mas passa substancialmente por isso aqui.

Como preferes ouvir música? CD, Vinil, K-7, Streaming, leitor mp3?
Tenho uma tara por vinil e recentemente descobri com André Veloso, o engenheiro de som responsável pela mixagem do meu último álbum, “O Novato”, que as masterizações feitas para vinil eram e são menos grosseiras dos que as feitas para CD, por exemplo. Quanto mais alto o volume da faixa, mais espaço ela ocupa no vinil e mais “quente” fica a audição, porém mais distorcida também, o que tira a qualidade de algumas coisas. Eu ouço música de todas as formas possíveis, acho que só não ouço K-7 mais.

O streaming está a “matar” ou a “salvar” a música?
Ainda é muito cedo para entendermos o papel do streaming. As discussões que cercam esse assunto são intermináveis e muito pouco conclusivas. Acredito que precisamos esperar um tempo e entender se as pessoas vão, de fato, assimilar esse comportamento de consumo de conteúdo para ver o que parte daí. Não acredito na morte da música, mas sinto falta de processos mais sólidos ao seu redor.

Qual o disco da tua vida?
“Minas”, do Milton Nascimento, 1975.

Qual o último disco que te deixou maravilhados?
O último disco que mexeu comigo de verdade foi o “Fazedor de Rios” do LG Lopes. Gostei muito do álbum lançado pela Elza Soares no ano passado chamado “A Mulher do Fim do Mundo”. Há também o disco da Ava Rocha, “Ava Patrya Yndia Yracema e o “Anganga” do Cadu Tenório com Juçara Marçal. Esses trabalhos foram bem importantes para mim.

O que andas a ouvir de momento/Qual a tua mais recente descoberta musical?
Bom, esses que eu listei acima e o mais recente da Juliana Perdigão, cujo nome é “Ó”, é um disco maravilhoso.

Qual a situação mais embaraçosa que já te aconteceu num concerto?
A primeira vez que me apresentei no Rio de Janeiro foi num teatro lindo, a Sala Baden Powell em  Copacabana. Foram 13 pessoas somente para me ver. Mas foi ótimo.

Que músico/banda já te desiludiu a nível musical/ou em concerto ao vivo?
Não me lembro de uma frustração muito grande, não. Eu tive sorte com concertos ao vivo. Antigamente ia a muitos espetáculos musicais, hoje vou somente aos que quero ver de verdade e sempre pego boas coisas. Tenho sorte mesmo.

Com que músico gostarias de efectuar um dueto/parceria?
Adriana Calcanhotto.

Para quem gostarias de abrir um concerto?
Caetano Veloso.

Em que palco (nacional ou internacional) gostarias um dia de actuar?
Adoraria tocar no palco do Primavera Sound, é um festival muito lindo.

Qual o melhor concerto a que já assististe?
Eu divido a minha predileção entre um show que vi dos Broken Social Scene em São Paulo com uma apresentação do Ney Matogrosso que vi na minha cidade. Ambos foram desconcertantes.

Que artista ou banda gostavas de ver ao vivo e ainda não tiveste oportunidade?
Ah, muitas! Wilco, Radiohead, Agnes Obel, Alt J, Mogwai. Alguns artistas brasileiros também que nunca vi ao vivo como Gal Costa, Anelis Assumpção, João Bosco, Moraes Moreira...

Qual o concerto da história (pode ser longínqua, mesmo antes de teres nascido) em que gostavas de ter estado presente?
Gostaria de estar no Phono 73, um festival que reuniu grandes ídolos meus no mesmo palco numa época em que todos eles estavam num pulsar criativo muito intenso. A década de 70 na música popular brasileira foi um estouro só. Esse evento teve a participação de Caetano, Gil, Sérgio Sampaio, Gal, Bethânia, Chico Buarque, Elis Regina, Vinicius de Moraes, Raul Seixas, enfim...

Qual o teu guilty pleasure musical?
Sinceramente, não sinto culpa nenhuma quando o assunto é música. Adoro tudo e adoro adorar as coisas. Sempre tem alguma coisa na música que te desorienta, que te orienta, que te diverte, que te faz dançar, que te transporta. Prefiro as coisas que me translocam, mas amo tudo, sem preconceitos.

Projectos para o futuro?
Estou numa turnê pelo Brasil e depois faço uma série de seis concertos em Portugal pelas cidades de Lisboa, Porto, Coimbra e Braga. Há a possibilidade de estendermos a turnê para Espanha, mas nada confirmado. Depois disso, volto ao Brasil e já entro em estúdio para a gravação do meu próximo trabalho cujo nome revelo aqui em primeira mão, “Estação Cidade Baixa”. Trata-se de uma série de três EPs que serão lançados ao longo de 2017. Deles vão sair também três curtas e um fotolivro sobre a história recente da minha cidade, Belo Horizonte. É muita coisa para trabalhar.

Que pergunta gostarias que te fizessem e nunca foi colocada? E qual a resposta.
Vai ser estranho? Vai.

Que música gostarias que tocasse no teu funeral?

"Revendo Amigos" - Jards Macalé

Obrigado pela atenção dispensada, boa sorte para o futuro.

Ficamos agora ao som do belíssimo single "LSD", extraído do seu segundo disco O Novato.

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